IV Congresso Nacional 2006

22-05-2012 19:26

Administração Pública 2 e 3 Novembro Comunicação 2006 - “DESBUROCRATIZAÇÃO E CIDADANIA, NOVAS FORMAS DE PROXIMIDADE ?

Autores: Dr. Oliveira Dias (Freguesia de Odivelas, Município de Odivelas)

Autores: Dr. Rui Duque Ribeiro, Dr. Oliveira Dias

Oradores: Dr. Oliveira Dias


 


 

Desburocratizar está na ordem do dia e o PRACE, ou o SIMPLEX aí estão como primeiras iniciativas de algo que é preciso fazer e concretizar.

A Administração Pública não fica indiferente aos ventos da mudança. Ela é necessária, embora lenta e pesada. Afinal estamos a falar de uma entidade que mexe com muita gente.

Não se conhecem exemplos de organizações com cerca de 800 mil colaboradores que tenham implementado processos de reengenharia, com eficiência e com eficácia de forma rápida e sem efeitos colaterais.

Porquê então exigi-lo ao sector público ?

Roma e Pavia não se fizeram num dia, logo parece natural e curial que as mudanças levem o seu tempo, porque tempo é preciso para as fazer bem.

Um sector muito particular, porque muito próximo dos cidadãos, há a considerar – as Autarquias Locais. Campeãs do desenvolvimento, porque na primeira linha do investimento público nacional, e apesar de escassos recursos, humanos, materiais e financeiros, lá vão tentando dar respostas às necessidades das populações que servem.

Uma autarquia hoje tem preocupações bem mais abrangentes que as que decorrem das suas competências.

Só as soluções conhecem a barreira das competência de cada poder público. Os problemas esses não conhecem barreiras de espécie nenhuma. E se o principio da subsidariedade está para as autarquias como ar está para quem respira, são então as autarquias quem tem de realizar um esforço no sentido de inovar, e dessa forma corresponder ao esforço de desburocratização de que tanto precisa o País.

A Junta de Freguesia de Odivelas, no Município de Odivelas e Distrito de Lisboa, criou um serviço inovador, e cuja experiência é única em Portugal.

O Gabinete de Encaminhamento do Cidadão, é um projecto da Presidência da Junta de Freguesia que deu forma ao princípio da subsidiariedade, e corpo às politicas de proximidade e de inclusão.

Os instrumentos ao dispor do cidadão como a Provedoria de Justiça, a CADA (comissão de acesso aos documentos da administração), a participação directa do público em sessões de assembleias autárquicas e reuniões de executivos autárquicos, os tribunais, etc, são meios existentes e consolidados. Mas o GEC, não se substituindo a nenhum, como se explicará, nem sequer assumindo uma complementaridade, é mais uma forma de atender às necessidades das pessoas tratando-as como tal e não com meros números estatísticos. Inovador e desburocratizante, quiçá um exemplo a seguir.

O Regime democrático veio, entre outras coisas, proporcionar aos cidadãos novos instrumentos de defesa dos seus interesses específicos, por exemplo aqueles decorrentes da sua condição de autarcas.

Convém antes de mais precisar com rigor este conceito de autarca, porque mal utilizado na generalidade, e por vezes até por quem tem responsabilidades legislativas, o que já é mais grave.

Doutrinalmente, e salvo melhor e mais abalizada opinião, o conceito de autarquia1 encontra a sua expressão no substrato pessoal de uma autarquia. Isto é, uma autarquia, e dispensamo-nos de precisar este conceito, porque mais ou menos consolidado, é uma entidade composta, entre outras coisas2, de população residente no respectivo território e que com ela tem um vínculo através do recenseamento eleitoral3.

Da mesma forma que substrato pessoal (pessoas residentes) de um Município são os munícipes e os de uma Freguesia são os fregueses, ou ainda que o substrato pessoal de um cidade sejam os citadinos e os de uma vila os vilões e os de uma aldeia sejam os aldeãos.

Assim sempre que se queira fazer referência aos cidadãos que em sufrágio eleitoral tenham sido eleitos para o desempenho de funções políticas terá de se lhes referir de acordo com a condição de cada função de tal modo que para os órgãos deliberativos podemos sempre referirmo-nos a esses políticos como “Deputados4, para os membros de órgãos executivos do município podemos referirmo-nos como Vereadores ou Presidente de Câmara5, e para os membros dos órgãos executivos das Freguesias, a Junta de Freguesia, a Lei designa-os como Vogais ou Presidente da Junta consoante o caso6.

Ou simplificando e abrangendo todos bastará a referência a eleitos locais ou ainda autarcas eleitos.

Aqueles com quem estes políticos se relacionam no âmbito das suas funções e competências (os cidadãos) são os administrados ou autarcas. A Administração Municipal relaciona-se com os seus Administrados dentro dos parâmetros legais.

E é este enquadramento legal entre administrados e administração municipal ou dito de outra maneira, entre os eleitos locais e os cidadãos residentes nas respectivas circunscrições territoriais que houve ma clara evolução no sentido de aumentar as garantias e os direitos dos administrados/autarcas/cidadãos.

Na realidade com a criação das Assembleias Municipais e Assembleia de Freguesia7 os cidadãos ganham novos direitos de intervenção politica e participação nos processos de decisão da administração municipal.

Desde logo o legislador ordinário impôs que as sessões dos órgãos deliberativos fossem todas públicas e criou um espaço reservado ao público para colocação de questões aos órgãos ou titulares dos mesmos através das mesas das Assembleias respectivas.

Para os órgãos executivos, e porque em sessão permanente, com várias reuniões o legislador impôs que pelo menos uma vez por mês tivesse carácter público, igualmente com período reservado ao público, em moldes idênticos aos das Assembleias.

Esta possibilidade aberta aos cidadãos de poderem dirigir-se directamente aos seus eleitos, de ambos os órgãos autárquicos é um avanço gigantesco, no sentido de aproximar uns e outros, na abordagem aos problemas da comunidade e apreciação das respectivas soluções.

Mas este é um instrumento específico para as autarquias. Os cidadãos para além destes têm outros meios mais genéricos, mas nem por isso despiciendos.

Um deles é o recurso ao Provedor de Justiça. Este é um Órgão de Estado especialmente vocacionado para intervir em situações de litígio entre a administração pública “lacto sensu8 e os administrados9/cidadãos. O Provedor pode fazer inquéritos e investigações próprias e todas as autoridades públicas ou privadas estão vinculadas ao dever de colaboração para com este. Os seus pareceres são meramente consultivos e não vinculam as partes. Mas têm um peso significativo.

Uma outra entidade é a CADA, Comissão para o Acesso aos Documentos da Administração, de criação recente. As suas competências são muito semelhantes às do Provedor de Justiça, embora mais dirigidas ao acesso a documentos na posse da administração pública e que esta por qualquer motivo os não queira disponibilizar a quem tem direito de acesso aos mesmos. Também os seus pareceres são consultivos e não vinculam nem o demandante nem o demandado. Mas igualmente com um peso considerável.

Outra via para fazer valer os direitos dos administrados são os tribunais, o único órgãos de soberania, que podem revogar decisões ou deliberações da administração pública10.

Apesar das garantias, meios e instrumentos ao alcance do cidadão a verdade é que se encontram sub-utilizados por parte dos principais, e único beneficiários – a população em geral.

A necessidade de praticar politicas de inclusão, de concretizar medidas participativas e de aproximar os eleitores dos eleitos, é ir ao encontro das necessidades evidenciadas pelas respectivas comunidades locais e satisfazer-lhes as suas reais expectativas.

É num quadro destes que a Junta de Freguesia de Odivelas, órgão executivo de uma Autarquia cujo substrato pessoal ultrapassa os 40 mil habitantes, com uma população apresentado várias dificuldades resultantes do facto de estarem concentrados em aglomerados urbanos altamente densificados, e cuja resposta aos problemas implica a intervenção de vários poderes públicos, por um lado, cada qual com as suas competências, por outro lado sem nenhuma entidade a fazer a coordenação das intervenções.

Assim a sensação do cidadão de que qualquer solução, por simples que seja, tem um pesado e longo percurso, é bem real, sobretudo agravada por vários níveis de analfabetismo funcional.

Na realidade para muitos cidadãos o simples facto de preencher um impresso, elaborar um requerimento, fazer uma reclamação ou pedir uma informação é uma barreira, quase intransponível.

Atendendo a este diagnóstico a Presidência da Junta de Freguesia de Odivelas, numa tentativa de dar resposta a um leque alargado de necessidades sentidas na sua comunidade resolveu candidatar-se a um protocolo de modernização administrativa, patrocinado pela Direcção Geral da Administração Local.

O Projecto, aprovado e concretizado, foi identificado como Gabinete de Encaminhamento ao Cidadão.

A Junta de Freguesia de Odivelas adaptou instalações localizadas numa infra-estrutura de que era detentora – Pavilhão Polivalente de Odivelas – dotou-a de espaço adequado para recepção de requerentes, dotada com uma Assistente Administrativa, especialmente contratada para o efeito, e que passou por uma fase de adaptação e treino, pelos vários serviços da Freguesia, e espaço reservado a atendimento personalizado por parte de um técnico superior em administração autárquica, com formação polivalente em vários domínios.

O objectivo do gabinete era o apoio aos cidadãos que se dirigissem àquele serviço, a vários níveis: apoio ao cidadão em casos de diferendos com a administração pública em geral, por encaminhamento do cidadão aos serviços adequados, ou então apoiando a elaboração de requerimentos, petições ou reclamações, explicando o enquadramento da solução par o problema concreto e dos intervenientes para o caso em apreço.

O apoio tinha ainda uma componente de clarificação de determinadas fórmulas formais demasiado eclécticas, e cujo entendimento exigia formação acima da média, para a sua compreensão.

O apoio incluía ainda a intervenção da autarquia junto de outras autoridades, designadamente o Município de Odivelas, para a resolução de problemas ou desbloqueamento de processos municipais.

Inclusivé até algumas questões envolvendo os serviços da própria autarquia ali tinham acolhimento, sendo dado o melhor encaminhamento aos processos.

Mas a intervenção do GEC não se resumia ao relacionamento entre os administrados e a administração pública municipal ou estadual. Também abrangia as relações entre privados. Muitos litígios entre particulares ficam por resolver por falta de uma orientação ou mediação, e por vezes chegam a tribunal com todas as consequências negativas inerentes a processos demasiado morosos, e em que os custos da solução ultrapassam os custos do problema.

Assim o GEC era solicitado, para assuntos relacionados com todo o tipo de problemas que se possam imaginar. Os mais comuns prendiam-se com:

  • problemas de condomínios;

  • litígios latentes uns, outros declarados entre condóminos;

  • problemas laborais relacionados com processos disciplinares visando o despedimento, cabendo ao GEC, em termos de apoio, ajuda para a elaboração de respostas à nota de culpa;

  • problemas com arrendamento, em especial quando se tratavam de rendas com várias dezenas de anos;

  • ou então questões relacionadas com a transmissão da renda por morte do titular original da mesma;

  • problemas de consumo de bens móveis, particularmente automóveis, e créditos bancários;

  • problemas de disfunção conjugal, envolvendo outros problemas colaterais no caso em que existiam menores e património avultado.

  • Falta de pagamento de prestações alimentares devidas por ex-conjuge por decisão judicial;

  • Dificuldades de cumprimento de obrigações de natureza obrigacional;

  • Também era solicitado em situações de desemprego, voluntário e involutário, e ainda primeiro emprego;

  • Dúvidas suscitadas por processos em julgamento judicial, embora estas pretensões fossem liminarmente rejeitadas, explicando-se aos requerentes o porquê da recusa em apreciar estas questões.

  • Morosidade de satisfação de processos requeridos em serviços municipais;

  • Dificuldades de relacionamento com empresas municipais, em especial a que geria equipamentos desportivos do município.

  • Dificuldades de relacionamento com os serviços municipalizados no que respeita À recolha de resíduos sólidos urbanos, e distribuição em baixa de água

Em termos organizativos o GEC tinha um serviço de recepção que funcionava durante o horário de expediente normal (entre as 9 horas e as 17.30).

Durante este período para além da Assistente Administrativa instruir os materiais de apoio às comunicações internas ou externas do técnico superior, fazia atendimento telefónico, e recebia os requerentes ao balcão, onde prestava as informações tidas por indispensáveis aos requerentes. Quando a complexidade do assunto a isso aconselhava, ou por expressa pretensão do requerente, a Assistente marcava reuniões para atendimento personalizado.

O atendimento personalizado era assegurado por um técnico superior, especialmente contratado para o efeito, que recebia os requerentes, previamente registados para reunião.

Realizava a análise do registo de pretensão / requerimento, e posteriormente ouvia o requerente de viva voz. Transmitia-lhe, então, durante a reunião as orientações consideradas adequadas ao caso. Quando a intervenção carecia de outros desenvolvimentos, junto de outras autoridades, remetia ao requerente informação sobre o estado actual das diligências, e quando pertinente convidava o requerente a nova reunião, embora fosse raro isto acontecer.

As reuniões ocorriam tanto no horário d expediente normal, como fora dele durante a semana e até aos sábados, por forma a compatibilizar com as disponibilidades dos requerentes que nem sempre podiam deslocar-se ao GEC durante os respectivos horários de trabalho.

Esta flexibilidade era importante para garantir que nenhum cidadão ficava sem apoio por impossibilidades profissionais.

O serviço assegurado pelo GEC chegou a ser uma referência para outros serviços externos, designadamente a própria Câmara Municipal e até a PSP local, entre outros, pois encaminhavam as pessoas para o GEC em casos de última necessidade.

Este tipo de serviço era, aparentemente, único no País pois dava a oportunidade aos cidadãos de solicitarem orientações para a resolução dos seus problemas, sendo a inovação o facto de este apoio ir muito para além das competências próprias da autarquia, sem contudo invadir áreas de intervenção de outros poderes públicos ou privados, na medida em que o GEC intervinha dando orientações ou indicando caminhos, sem contudo se imiscuir em competências alheias.

Outro aspecto inovador deste serviço era o seu carácter semi-autónomo. Isto é, o GEC tinha autonomia para se auto-organizar administrativamente, dependendo directa e exclusivamente da Presidência da Junta, factor essencial para a eficácia do serviço.

Este serviço representa, sem dúvida, uma experiência passível de “case study” dada a sua vertente inovadora e cariz eminentemente desburocratizante, com elevados níveis de eficácia, nos objectivos alcançados, bem assim como índices de eficiência alcançados, como de resto os respectivos relatórios mensais demonstravam.

O sucesso do serviço conduziu a administração municipal odivelense a “clonar” o exemplo da Freguesia de Odivelas, criando o seu próprio gabinete, a que chamou Gabinete de Apoio ao Cidadão, conduzindo à decisão da Freguesia em fechar o GEC visto o tipo de serviço vir a ser assegurado pela Câmara Municipal de Odivelas.


 

FIM


 


 

1 Autarquia provém do conceito autarcia que na ciência económica significa autonomia face a terceiros, e auto-organização.

2 Os outros elementos caracterizadores de autarquia são: possuírem órgãos executivos e deliberativos, possuírem território, os órgãos serem de cariz electivo, possuir orçamento e plano de actividades próprios, quadro de pessoal próprio, e resultarem de relações vicinais.

3 Embora seja defensável que os residentes não recenseados, os menores de 18 anos por exemplo, também sejam como tal considerados

4 Válido tanto para os membros das assembleias municipais como de freguesia

5 Até finais do século XIX o Presidente de Câmara era um vereador também, actualmente já não é assim – o Presidente da Câmara não é vereador.

6 Porém a verdade é que defendemos idêntica terminologia para a Freguesia à utilizada par o município, pois em bom rigor ambos têm as mesmas características.

7 Pela Constituição da República Portuguesa de 1976.

8 Logo aqui se inclui a administração pública autárquica

9 Note-se que o termo administrados inclui as pessoas jurídicas singulares e colectivas, ao passo que o termo cidadania não inclui estas últimas que não têm direitos de cidadania.

10 E também são o único órgão de soberania não eleito.