IV Congresso Nacional INA 2006

22-05-2012 19:24

- IV Congresso Nacional de Administração Pública 2 e 3 Novembro Comunicação 2006 - “QUE PODER LOCAL PARA O SÉCULO XXI

Autores: Dr. Oliveira Dias (Município de São Vicente, Região Autónoma da Madeira)

Oradores: Dr. Oliveira Dias


 


 

As transformações por que passa a sociedade portuguesa, designadamente no domínio da sua administração pública, são uma realidade incontornável. Senão veja-se o PRACE, o SIMPLEX, etc, constituindo-se em propostas inovadoras para intervir, de forma estrutural, numa administração ainda não completamente preparada para os desafios que se impõem rumo à eficiência colectiva.

A administração pública “lactu sensu” está sujeita aos ventos da modernidade e da globalização, no seu conjunto, mas as várias administrações “stricto sensu” têm diferentes formas de vivenciar estas novas realidades.

A administração local autárquica, porque com uma legitimidade muito forte devido ao seu cariz electivo, tem neste aspecto especiais particularidades pois a sua posição no contexto nacional é basilar.

Afinal o Poder Local é, não o esqueçamos, um ente constitucional, mas fora da Administração do Estado, responsável por um investimento público acima dos 25%, quando as transferências do Estado par as Autarquias mal chegam aos 10%.

Durante 30 anos o Poder Local, ou municipalismo, dotou as suas comunidades com as infra-estruturas básicas, tais como redes de saneamento básico, redes viárias, distribuição de água, etc, originando um surto de desenvolvimento considerável em Portugal.

Por isso hoje o Poder Local tem um papel importante no contexto das reformas previstas ou a prever para a administração pública.

Neste trabalho passamos em revista a necessidade de um código de ética ou de conduta para os principais interpretes do municipalismo português, naquilo que é um inovação singular em Portugal, pois nunca ninguém sugeriu semelhante documento, apesar de se lhe sentir a falta.

Outra área também fundamental para abrir as portas à inovação e sobretudo à eficiência das organizações municipais (e aqui inclui-se tanto a freguesia como o município, que pugnamos por iguais como explicaremos) é a eliminação das várias inconstitucionalidades existentes, e elencadas no trabalho.

Finalmente apontamos a criação de duas figuras institucionais cujo contributo para a modernização da administração municipal seria decisiva através do “Secretário Geral” uma novidade no nosso sistema politico/administrativo.

A outra seria o “Provedor Municipal”, também inovador no nosso ordenamento, e que transformaria positivamente a relação entre administrados e administradores municipais, como se explicará no trabalho.

Vivemos, hoje, uma situação singular, no que ao Poder Local diz respeito, designadamente quanto aos sistemas de gestão e administração vigentes, desde a constituinte de 1976. Com quase 3 décadas de existência a filosofia subjacente á gestão e administração do Poder Local é, hoje, arcaica, ineficiente e ultrapassada.

Se em 1974, no período pós revolucionário, e seguindo, de certo modo, a apologia de John Rawls1, se impunha um ordenamento jurídico consentâneo com a consolidação das instituições, chamando a certos patamares de poder – o Poder Local – milhares de cidadãos, quase a custo zero, para o estado, pois esta classe política não era remunerada da sua esmagadora maioria.

Rawls (2000), na sua tese sobre a concepção liberal de justiça, seguindo de resto o pensamento de Rousseau2 defende que a justiça para ser realista deve seguir duas condições: assentar nas leis da natureza, de modo a conseguir estabilidade pelas razões correctas, necessitando-se, segundo ele, de “pessoas tais como são, e leis civis e constitucionais como poderiam ser”. A segunda condição é a de que os “princípios primordiais sejam funcionais e aplicáveis ás disposições políticas e sociais vigentes”.

Foi o que aconteceu, então, com a primeira Constituição Democrática de Portugal, o sistema autárquico concebido ajustava-se ao tempo, e foi de resto primacial para o Portugal hodierno.

Ao longo destes 30 anos as mudanças observaram-se a vários níveis e o sistema, ainda em vigor, levanta, hoje novos problemas – por exemplo a Ética em Política.

O participar em determinados processos politico-partidarios-autárquicos leva a passar por experiências enriquecedoras, no plano ideológico e dos valores intrínsecos, e a formular as bases de princípios, mais ou menos universais, mais ou menos rígidos que enformam a acção de cidadãos intervenientes na “coisa” pública, a Ética.

i) A necessidade da existência de um Código de Ética, está pois na ordem do dia. Este tema traz á memória, por exemplo, o Congresso Mundial de Municípios Ibero-Americanos, realizado em Lisboa em 1997, onde a propósito do tema “A Gestão dos Serviços Públicos Locais” o Presidente da Deputacion de Guadalajara3 no preâmbulo da sua intervenção afirmava

A democracia na sua origem tem um caracter local, e a participação dos cidadãos define-se pela possibilidade de participar no debate e na tomada de decisões. A consciência clara da função de serviço corresponde aos eleitos, e alimenta-se da exigência Ética do mandato recebido e do control que exercem aqueles que o designaram (pelo voto)

Assim a Ética fundamenta-se num mandato recebido, do povo, para o exercício de um serviço para o povo. Esse mandato, no nosso caso, não pode nem deve ser separado das condições que tornam possível receber esse mandato – através da propositura, em lista, por uma estrutura partidária, na maioria dos casos.

A Ética á qual o eleito se deve subordinar passa necessariamente por respeitar o mandato recebido pelo povo, em sufrágio, directo e universal, através do voto em dada lista de candidatos, por dado partido ou coligação.

Mas sobre o assunto um reputado autor se pronunciou, pouco antes da sua morte, crê-se mesmo ter sido a última coisa que terá escrito. Trata-se de Max Weber 4e ao seu comunicado “A Política como profissão” que elaborou para um seminário em 1919, aquilo que para muitos politólogos é um legado filosófico de Weber.

Para Max Weber toda a acção éticamente orientada pode-se encontrar sujeita a duas máximas diferentes : “Ética da convicção” e a “Ética da responsabilidade”. A primeira permite agir segundo dogmas pré-aceites, bons ou maus, não se discute a sua essência. O segundo estipula que as pessoas têm de responder pelas suas acções.

Ora em política mais importante que ser coerente, é ser consequente. Claramente se vislumbra aqui o diapasão Weberiano da Ética da responsabilidade.

Mas entre nós existe uma espécie de “Código de Ética”, no nosso ordenamento jurídico ainda que insípido.

O Estatuto dos Eleitos Locais ( Lei nº 29/87 de 30 de Junho) estabelece no seu artigo 4º (Deveres), um conjunto de princípios que enformam um núcleo de valores éticos a que os nossos eleitos se devem sujeitar, desde logo no domínio da legalidade e direitos dos cidadãos, em matéria de prossecução do interesse público e em matéria de funcionamento dos órgãos de que sejam titulares.

De todos os princípios destaca-se um, apesar de todos serem igualmente importantes “ Não patrocinar interesses particulares, próprios ou de terceiros, de qualquer natureza, quer no exercício das suas funções, quer invocando a qualidade de membro de órgão autárquico”.(alínea c), do nº 2, artigo 4º.

Um dos principais problemas Éticos que se colocam em Portugal são os eleitos trânsfugas, isto é, um Eleito por dada lista partidária, e que nessa condição recebe um mandato popular, em determinado momento do exercício das suas funções, resolve desvincular-se da lista partidária pela qual foi sufragado, mantendo-se, porém no exercício das suas funções, auferindo de todas as regalias e prerrogativas do lugar.

Para além dos aspectos morais envolvidos, porque também os há, a verdade é que o eleito aqui caracterizado viola claramente o principio acima enunciado pois está a patrocinar um interesse particular próprio ( o seu lugar, as suas mordomias). Agravada fica a questão se posteriormente vier a ser candidato por outra formação partidária, que não aquela pela qual originariamente concorreu, porque aí está igualmente a patrocinar o interesse particular de terceiros, no caso o do partido que o acolhe.

Já noutra sede, na legislação eleitoral, este princípio ético é aflorado quando se estatuí a perda de mandato para o cidadão que concorrendo e sendo eleito por uma lista patrocinada por uma formação partidária, durante o decurso do mandato, se inscreva em formação distinta daquela pela qual foi eleito.

Porém nada acontece se o mesmo cidadão eleito se desvincular, por sua iniciativa, do partido pelo qual foi recebeu o mandato popular, ou noutra hipótese mais extrema, vir retirada a confiança política pelas estruturas partidárias que o colocaram em posição de ser eleito.

Manifestamente só a Moral regula esta matéria – Ètica – no silêncio da Lei. Numa perspectiva Weberiana de Ètica da responsabilidade não restaria outra hipótese ao eleito, nestas condições, de renúncia ao mandato, sendo, pois, consequente de acordo com as suas posições pessoais.

O exercício dos mandatos no Poder Local, e em especial neste porque de cariz vicinal, merece eleitos dotados de uma estrutura Ética absolutamente impoluta, baseada na Honra, na verticalidade e na honestidade, tudo isto temperado com um conjunto de valores e princípios, aos quais um cidadão, que se preste a ser eleito, deve estar subordinado, sem reservas mentais.

Ética no relacionamento com os cidadãos da respectiva circunscrição territorial – seja da freguesia seja do município – e que tem a ver com a isenção e imparcialidade na prossecução do interesse público das populações territoriais, e Ética para com as formações partidárias que lhes possibilitaram a candidatura e a eleição através do voto popular. Sendo que aquela se deverá subordinar a esta. Isto é, um eleito só deverá dar o máximo de si para com a população que representa se e enquanto o partido que o escolheu assim o entender.

O problema é saber se nas eleições autárquicas estão em jogo projectos colectivos (partidários) ou individuais (pessoais), graças ao “forte grau de localismo”5, e consoante o caso divergirá o enquadramento ético. Impõe-se essa clarificação.

ii) Em trinta anos muito mudou no País, nos Portugueses, em inúmeros sectores da vida colectiva, mas quase nada mudou ao nível dos poderes autárquicos, excepto na obra realizada por um Poder Local bastante condicionado pelo espartilho financeiro imposto pela Administração Central do Estado.

Desde logo constrangimentos pela inconstitucionalidade por omissão, pela não concretização de um dos níveis autárquicos consignados na Constituição da República Portuguesa – as Regiões Administrativas, famosas pelo que ficou conhecido, erradamente, por Regionalização.

No quadro do Poder Local as Regiões Administrativas, são um efectivo complemento aos níveis municipais. A efectiva Descentralização do Estado, tal como o consigna a nossa Constituição só será alcançada com a concretização das Regiões Administrativas.

A rejeição em referendo daquela matéria constitucional, foi um erro a vários títulos. Dentre todos avulta a necessidade do Poder Local necessitar daquele nível a fim de tornar a Descentralização uma realidade. A tentativa, recente, de colmatar aquela lacuna com as Áreas Metropolitanas e as Comunidades Urbanas enforma de um erro básico – tal como o respectivo quadro legislativo está configurado, substitui o imperativo da Descentralização pela Desconcentração, dito de outro modo privilegiou-se a Delegação de Poderes em detrimento da devolução de poderes.

Nesta matéria, e salvaguardadas as devidas distancias, parece um retorno ao modelo de desconcentração vigente antes de 1976, no qual a Administração Central “emprestava” os poderes que pretendia aos municípios. Semelhantemente acontece com estas áreas metropolitanas e comunidades urbanas, em que os seus poderes serão aqueles que os Municípios e a Administração Central quiser delegar, transformando estas novas realidades administrativas em meros delegados, quer do Poder Local quer do Poder Central.

Esta solução soçobrará a prazo, e todos ficaremos a perder por andarmos a fazer experiências, mal pensadas e sobretudo não discutidas com os principais interessados – o Poder Local e o Povo.

Mas, existem segundo Rocha (2005), outros modelos de Regionalização, e ressuscita uma obra de Marcello Caetano sobre as Províncias, na sua tese de mestrado6. De resto e salvo melhor e mais abalizada opinião, a assunpção das Províncias como Regiões Administrativas é de longe a melhor solução, por várias razões mas avultando de entre elas uma basilar – a identificação popular com a “sua” província. Afinal ainda há quem se considere: Alentejano, Ribatejano, Transmontano etc. E essa é uma realidade irrefutável.

iii) Depois, a outro nível, mas ainda no domínio das inconstitucionalidades temos a invasão do legislador ordinário na autonomia do Poder Local, garante constitucional da existência do Estado Democrático7, em matéria de instrumentos de ordenamento do território. Na verdade a Ratificação, por parte do Governo, a que estão sujeitos os Planos Directores Municipais aprovados nas Assembleias Municipais por proposta das respectivas Câmaras Municipais, colide frontalmente com as atribuições das autarquias e com as competências dos seus órgãos legitimamente eleitos.

Se uma deliberação dos órgãos municipais carece de “aprovação” de outro órgão externo às autarquias, então está-se a aceitar a concretização da desconcentração administrativa, o que contraria clara e objectivamente o princípio constitucional da descentralização administrativa do Estado para as Autarquias. Afinal só uma decisão judicial pode contrariar uma deliberação municipal, excepto quanto à matéria aqui exposta.

iv) Mas outras inconstitucionalidades podem ser encontradas, por exemplo a existência de órgãos executivos unipessoais, como é o caso das Presidências de Câmara Municipal e as Presidências de Junta de Freguesia.

O legislador ordinário sempre legislou (Lei 79/77, Lei 100/84, Lei 169/99 e Lei 5-A/2002) no sentido de dotar, primeiro o Presidente de Câmara, mais tarde o de Junta de Freguesia também, de poderes e características tais que se transformam em verdadeiros órgãos municipais, não previstos constitucionalmente, logo inconstitucionais.

v) Continuando, ainda, no domínio das inconstitucionalidades atentemos no instituto, algo atípico, da delegação de Competências, previsto na Lei ordinária, mas não na Constituição, do Município na Freguesia.

Desde logo a incorrecta designação legal, pois a admitir este instituto – delegação de poderes ou competências – entre ambas as entidades autárquicas (Município e Freguesia), das duas uma: ou deveria referir-se-lhes como delegação de atribuições, que são os fins de cada uma delas, ou como delegação de poderes dos órgãos municipais para os órgãos paroquiais, ou de Freguesia.

Mas o mal está na raiz da questão. Uma delegação de poderes pressupõe um Delegante (quem delega) e um Delegado (quem recebe a delegação), que por sua vez implica a existência de um vínculo hierárquico, de subordinação, direcção ou orientação superior, de um para o outro. Para além do poder de avocação que assiste ao Delegante caso não goste do desempenho do Delegado, podendo revogar as suas decisões.

Ora entre Autarquias Locais nunca se pôs o problema, no ãmbito da delegação de poderes, de se avocar os poderes delegados ou revogar decisões ou deliberações tomadas ao abrigo da delegação de poderes, por parte do delegante, no caso o Município, até porque a acontecer o procedimento para a avocação obedeceria, ao nível do município, a idêntica metodologia havida para a delegação. Daí se afirmar ser algo “atípico” esta delegação de poderes. Mas a verdade é que nada impede disso vri a acontecer.

O Município e a Freguesia são pessoas colectivas de direito público independentes entre si, e sem qualquer vínculo de subordinação. Por isso não fazer qualquer sentido a existência deste instituto da delegação de poderes, atípico ou não. Mas o mais importante é que também não prevê a Constituição, no quadro do Poder Local a existência deste vínculo, logo é inconstitucional, e aqui a vários títulos como se viu.

Como sabemos a Constituição faz referência a dois tipos de órgãos ao nível dos órgãos representativos autárquicos : o deliberativo, inexistente antes de 1976, e o executivo, não consideraremos aqui um outro órgão previsto então, mas de criação facultativa, falamos do Conselho Municipal, mas que não vingou e acabou por cair. Erradamente este órgão era classificado como órgão representativo, quando na realidade não o era, pois não passava pelo crivo do escrutínio do voto popular, condição sine-qua-non para como tal poder ser classificado.

Ora bem sabemos que a existência de órgãos não depende da Lei os titular como tal mas sim dos efectivos comandos jurídicos e instrumentos com que os mesmos são dotados8. Assim a realidade substantiva que nos é dada pela Lei ordinária difere substancialmente do comando constitucional, nesta matéria, com a existência de 3 órgãos quer ao nível do município quer ao nível da freguesia (por acaso a freguesia também é uma autarquia de carácter municipal) portanto mais um órgão em cada nível autárquico – são eles O Presidente da Câmara Municipal e o Presidente da Junta de Freguesia.

Um órgão é um centro de imputação de poderes funcionais autónomo, no seio da entidade respectiva, e é isso que acontece quer na câmara quer na junta. Assim os respectivos presidentes são órgãos executivos unipessoais, e quer a Câmara municipal quer a Assembleia Municipal são órgãos colegiais, bem assim como a Assembleia de Freguesia e a Junta de Freguesia.

Uma outra situação, embora com cobertura constitucional, mas nem por isso menos atípica, é a dupla condição do Presidente da Junta de Freguesia:

  • na freguesia é membro de um órgão executivo;

  • no município é membro de um órgão deliberativo.

E por via disso, sempre que a Assembleia Municipal aprecie e vote matérias directamente relacionadas com a freguesia o presidente de junta/deputado municipal por inerência estará a votar sendo parte interessada. A legitimidade de, sendo parte interessada, participar em votações levanta a maior das dúvidas.

vi) Quando se fala, com alguma frequência, na próxima revisão ordinária da Constituição, seria pertinente ajustar algumas matérias, cuja justificação tinha fundamento à 30 anos atrás, mas hoje completamente ultrapassadas.

Avulta de entre elas a condição colegial do órgão executivo, quer no município quer na freguesia, porquanto noutros sistemas mormente no brasileiro, a unipessoalidade de cariz electiva do órgão executivo, que após a eleição escolhe a sua equipa, nomeando-a e destituindo-a livremente, tem colhido frutos interessantes.

Em Portugal muitas vezes se argumenta que apesar de tudo o sistema tem funcionado. O que ninguém quer assumir é que tem funcionado, mas mal, porque não se obtém aquilo que se poderia obter caso os integrantes dos executivos pudessem, livremente, aplicar o programa vencedor em sufrágio universal.

Ao nível da legislação ordinária obviamente é imperioso revogar as disposições que contrariam o texto constitucional. Sem mais.

Mas, no actual quadro, outras soluções podem ser tentadas cuja implementação até nem exige grande esforço prende-se com a criação de duas figuras novas no contexto dos órgãos municipais.

Para lá da questão da desconformidade entre a Lei ordinária e a constituição, seria importante analisar a pertinência da existência de tantos órgãos, e ainda por cima em concorrência efectiva entre si, especialmente entre os órgãos executivos unipessoais e os órgãos executivos colegiais.

Iremos abordar, aqui, em especial o nível municipal para defender a criação da figura do “Secretario Geral” e ainda a figura do “Provedor Municipal”.

vii) Em tempos foi defendido, num congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, por um Presidente de Câmara a criação de um sindicato para eleitos locais, devido á enorme burocratização a que os Presidentes estavam sujeitos, sem ninguém que os defende-se.

A questão não é tanto a ideia peregrina do sindicato, mas a chamada de atenção para um facto incontornável – Os Presidentes dos executivos tornaram-se autênticos burocratas, no sentido da sua funcionalização, devido ás imensas solicitações a que estão obrigados a responder, por imposição legal.

Repare-se no extenso rol de competências da câmara municipal constante no artigo 64º da Lei 169/99 de 18 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei 5-A de 11 de Janeiro de 2002, todas podendo ser delegadas no respectivo presidente de câmara, e são-no quase sempre em todos os municípios, somadas ás suas próprias competências constantes no artigo 68º sem esquecer as competências de superintendência, constantes no artigo 72º.

Realmente é uma tarefa dantesca. O Presidente fica literalmente sem tempo nenhum para fazer a coordenação política da sua equipe, e sobretudo, para se dedicar á gestão estratégica da sua comunidade, preso que está a funções administrativas.

No Brasil, existe a figura do Secretario-Geral municipal, nos grandes municípios, cuja função é libertar o Prefeito, equivalente ao nosso Presidente de Câmara Municipal, das tarefas de caracter administrativo e logístico inerentes a uma organização com o grau de complexidade de uma Câmara Municipal.

Também aqui em Portugal se justificaria, nos municípios de maior dimensão populacional, essa figura de modo a libertar o Presidente da Câmara Municipal, de tarefas rotineiras, mas não só, também ao Presidente da Assembleia Municipal.

Os eleitos locais são fundamentalmente políticos, e como políticos são os escolhidos pelas respectivas comunidades para se ocuparem do planeamento estratégico das suas autarquias. Ao nível operacional tal compete aos funcionários de carreira. A gestão destes deverá caber a um Secretario Geral, se preferirem é algo equiparado a um Director Geral, só que com uma vertente operacional por excelência.

As suas funções e poderes deveriam ser flexíveis, e da responsabilidade dos eleitos, sem prejuízo de um núcleo material próprio a definir pelo legislador ordinário. Isto é, cada município deveria poder primeiro decidir se sim ou não precisaria de um Secretario Geral, na circunstância de reunir os requisitos mínimos para esse efeito, e em caso afirmativo, quais os poderes que lhe seriam delegados, tudo, claro, sem colidir com as competências próprias a delegar nos vereadores pelo Presidente da Câmara.

Aliás basta olhar para os exemplos das respectivas associações nacionais do poder local: a ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses) e a ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias), ambas possuem um Secretário-Geral.

viii) Uma outra figura a criar é a do Provedor Municipal. Quantas vezes um cidadão não se sente insuficientemente servido pelos serviços e órgãos municipais, não tendo a quem recorrer para se defender, acabando por mergulhar num clima de frustração que o afasta das instituições municipais, e dos eleitos. Aqui nasce o litígio entre o cidadão e a sua administração municipal, tantas vezes contribuinte liquida para a insatisfação da sociedade civil.

Claro que a figura do Provedor de Justiça, consignada na Constituição, pode ser uma saída, mas para se recorrer a este órgão é já necessário estar em situação de litígio declarado, para além da abrangência nacional deste órgão de Estado, com as inevitáveis demoras de resposta se as solicitações forem demasiadas.

O Provedor Municipal actuaria um pouco antes de se atingir essa fase do litígio. Assim em caso de descontentamento um munícipe poderia dirigir-se ao Provedor Municipal, expor as suas razões, que este analisaria, dando posteriormente o seu parecer ou recomendação, tentando inclusivé promover a conciliação entre as partes, e sobretudo actuando numa perspectiva pedagógica quer junto das instituições municipais, quer junto do próprio munícipe. É o princípio da subsidariedade também ao nível dos diferendos entre os administrados municipais e a administração municipal, o que por certo aliviaria o Provedor de Justiça de assuntos menores, podendo direccionar a sua atenção, empenho e energia para assuntos de maior complexidade e dimensão à escala nacional.

Existem já algumas experiências, ainda que de forma mitigada, de municípios que criaram esta figura, regulamentando-a mas não tendo ainda o lugar provido, outros que apenas prevêem a criação da figura do provedor no papel, e outros, poucos, que possuem o seu Provedor Municipal, mas cuja fundamentação legal encontra obstáculos consideráveis.

Enquanto que a criação do Secretario Geral carece de diploma legislativo próprio porque mexe com competências e poderes atribuídas a órgãos municipais, já o Provedor Municipal não mexe com as competências de ninguém, os seus pareceres e recomendações seriam meramente consultivos, mas faria escola ao nível das boas práticas de gestão e o principal beneficiado, sem dúvida seria a população.

Sendo o Município e a Freguesia9 ambas autarquias de caracter municipal10, porque essas características advêm das relações vicinais, de proximidade, de autonomia politico-administrativa, etc, então seria lógico que a “jurisdição” deste Provedor Municipal deveria abarcar o espaço de todas as autarquias integrantes do município, assim como a sua designação deveria ser feita em sede da Assembleia Municipal, embora rodeada de naturais cuidados como por exemplo a necessidade de uma maioria qualificada para a escolha do respectivo titular.

O papel do Provedor de Justiça permaneceria inalterado, e seria, em todo o caso, um patamar de recurso para os administrados.


 

FIM


 


 

1 Rawls. John, A Lei dos Povos, editora Quarteto, Coimbra, 2000

2O Contrato Social

3 uma Deputacion é uma espécie de comunidade urbana, agregadora de vários municípios

4 Weber, Max, “A Politica como profissão”, editora Plátano, 2001

5 AA.VV, “Gestão e Legitimidade no Sistema Politico Local”, colecção estudos, Escher, 1991, pag.23

6 Rocha, José António, “Regionalização no âmbito da Gestão Autárquica”, Almedina, 2005, pag.265

7Mas o reconhecimento das comunidades locais como entidades dotadas de interesses, órgãos e vida própria, diversos dos interesses, órgãos e vida do Estado, foi considerado tão relevante para a organização democrática do Estado Português que os constituintes de 1976 foram ao ponto de erigir as autarquias locais em órgãos do Poder PolíticoNabais, José Casalta, A Autonomia Local, Almedina Coimbra, 1990, pag.53

8 Dias, José António Rajani, “Cartilha do Eleito Local”, NovaOdivelas, Odivelas, 2002, pag.18.

9 Oliveira, António Cândido de, A Democracia Local, Coimbra editores,2005, pag. 20, faz referência a um relatório sbre democracia local e regional, em Portugal, do Conselho da Europa, que considera as Freguesias uma das contribuições mais originais à tradição da autonomia Europeia.

10 “(...) se incluem no conceito de pessoa colectivas territoriais dotada de órgãos representativos (...)” Santos, José António As Freguesias – História e actualidade, Celta Editora, Oeiras, 1995, pag. 76