Seminário Internacional Património Industrial Loures

22-05-2012 19:27

 

A Indústria Extractiva da Cal na Ilha da Madeira – o Caso de São Vicente

Autores: Dr. Oliveira Dias (Município de São Vicente, Região Autónoma da Madeira)


 


 

Introdução


 

A intervenção espacial resultado da ocupação das comunidades humanas, no território, produz impactos significativos nos ecossistemas, por vezes provocando alterações definitivas e de longo prazo.

Os vestígios dessa ocupação assumem características de património, que consoante a distância temporal desde a sua origem até à data, são ou património histórico, ou património industrial.

O conceito de património industrial é bastante mais recente, e resultou do forte impacto que teve a destruição de várias cidades durante o conflito conhecida como II grande guerra mundial, deixando vestígios, que apesar de tudo se pretendem preservar, como memória de um povo.

Portugal, riquíssimo em património histórico, também tem um vasto currículo em matéria de património industrial.

Na verdade existem patrimónios, de carácter industrial, que apesar de estarem fora de uso, contêm em si mesmos valor intrínseco que os destacam de outros de menor interesse.

É claro que os poderes públicos são determinantes no que à preservação deste património, mesmo quando de carácter privado, e grande parte dele não é público, de modo a garantir a sua fruição por parte dos cidadãos.

Tal é o caso da indústria extractiva da Cal na Ilha da Madeira, concretamente no Município de São Vicente.

Na realidade aquela actividade desenvolvida à já bastante tempo na Madeira, apenas teve lugar no Município de São Vicente, e dela se pretende aqui dar nota, bem como as medidas desenvolvidas para a sua preservação e divulgação.

O Município de São Vicente é um pequeno município rural, na costa norte da ilha, se adoptarmos o indicador populacional, porém tem uma área territorial bastante grande.

Deste Município partem as levadas e as condutas naturais de água responsáveis pelo abastecimento do Funchal.

Desenvolvimento

  1. O património já não é mais e apenas as estruturas edificadas na antiguidade ou pelos nossos antepassados. Na realidade habituámo-nos a olhar o património como sendo os mosteiros, os castelos e fortificações que os nossos antepassados erigiram e que ainda hoje podemos admirar tal a robustez das suas construções.

Na realidade os vestígios de uma qualquer tecnologia são testemunhos passados, que devem ser preservados no presente, para poderem ser admirados, também, no futuro. Mais, as tecnologias do passado se reproduzíveis podem bem ser veículos privilegiados de promoção e ou formação dos mais novos.

Na Madeira temos o exemplo de uma Nau, reprodução da Nau de Cristóvão Colombo que faz circuitos turísticos, e onde se pode observar ao vivo como era a vida a bordo dos marinheiros da demanda Portuguesa pelo Mundo.

No Município de São Vicente existe a única gruta da ilha, através da qual se pode testemunhar o percurso da lava aquando da formação do arquipélago, para além de um conjunto de informações geológicas a partir da sua mera observação. Acoplado a esta foi construído, um centro de vulcanogia, equipado com meios tecnológicos de ponta que associam imagens tridimensionais a efeitos sonoros e visuais bastante realistas.

Mas também aqui na lezíria que circunda Lisboa se podem encontrar vestígios de outras eras, extraordinários, que os nossos antepassados utilizavam para aproveitar as forças da natureza. Por exemplo em Famões, no Município de Odivelas, podemos deleitarmo-nos com um moinho de vento, reconstruído a rigor, e que hoje é uma peça viva de uma tecnologia trazida pelos povos árabes aquando da sua colonização na era pré-cristã da Península Ibérica. Esta tecnologia foi largamente difundida nesta região e hoje restam poucos exemplares, a funcionar tal qual o faziam séculos atrás.

Também aqui se podem encontrar outro tipo de vestígios, cuja tecnologia é hoje rodeada de algum mistério, e que o tempo não destruiu mas o homem fez desaparecer – as antas ou dólmens. Estes monumentos são a representação de um regresso ao ventre materno, pois eram cobertos, e ali se depositavam os defuntos.

A vantagem destas tecnologias é que podem ser apreciadas e explicadas a jovens alunos, como parte integrante do seu processo de aprendizagem, e formação para a cidadania.

B. A Cal é um tipo de matéria prima em tempos muito utilizado, embora ainda hoje se mantenha a sua importância, diferindo apenas o seu modo de produção, quer em qualidade quer em quantidade.

No Município de São Vicente existe ainda, e é conservado pelo proprietário, uma mina e engenho de exploração da Cal, sendo única na ilha, servindo, por isso, todo o território insular.

A importância deste vestígio tecnológico foi reconhecida pelas autoridades regionais, através da portaria nº 115/2005, de 3 de Outubro, pela qual se classificou o conjunto constituído por minas, forno da cal e outros imóveis de apoio à produção situados em São Vicente.

Assim se pretende conservar e valorizar aquilo que é uma memória, a vários títulos, de uma actividade que foi única na Região, pese embora hoje esteja desactivada, em termos de produção.

Naquela época a exploração era feita do modo mais elementar – por força braçal, e costal pois a pedra era transportada às costas, bem assim como a agua e a madeira necessárias para o processo de produção.

Esta exploração foi possível, por ser São Vicente o único sitio onde existia calcário, e durou essa actividade até aos anos 70 do século passado, sabendo-se que o seu inicio terá sido no século XVII, com o surgimento dos primeiros fornos de cozedura.

O Pó branco foi um produto precioso, face ao surto construtivo verificado na ilha até ser substituído por outros produtos utilizados na construção civil.

A actividade de exploração da cal era porém sazonal pois quando chovia, em particular no Inverno, tinha de ser interrompida, por não ser possível extrair a pedra e cortar a madeira necessária.

O processo era simples – a pedra era depositada num forno cónico que levava 1 a 2 dias a cozer as mesmas. Após a cozedura eram retirada com uma pá, e adicionava-se a água reduzindo-as a pó.

A Cal para pintar a parede, era produzida pelas pedras de alta qualidade, a qual depois de cozida era acondicionada num bidão. A água era adicionada juntamente com sebo de vaca, para derreter a pedra.

O recinto da exploração tem cerca de 12 mil metros quadrados, e inclui as infra-estruturas de apoio à exploração, o filão da rocha calcária, as plantas e as aves da Laurissilva (floresta que, no mundo, apenas existe na Madeira, Açores e com menos expressão nas Canárias e está classificada como património mundial pela UNESCO), e ainda palheiros, característicos, um curral, a levada e um antigo poço de água.


 

Conclusão

Os proprietários apostam na recuperação desta tecnologia sob a forma de “Rota da Cal” visando as escolas como universo privilegiado dado o carácter didáctico que a Rota apresenta.

Também a pensar na comunidade escolar, existirá uma secção dedicada a fósseis marinhos que comprovam o facto da região se encontrar abaixo do nível do mar em tempos muito remotos (5,2 milhões de anos atrás), obviamente aquando da formação da ilha, cuja origem é vulcânica.

Assim ao preservar aos vestígios de uma antiga tecnologia, que fazia uso da força muscular do homem, preserva-se a memória do povoamento de uma região isolada cuja comunidade diariamente era confrontada com os rigores da natureza.

Desta forma proporciona-se aos jovens, e aos turistas que demandem o Município de São Vicente a experiência de vivenciarem algo que foi, e é, único na Região Autónoma da Madeira, e que por isso faz parte da história colectiva desta comunidade.

Resta ainda a curiosidade desta tecnologia partilhar a sua singularidade com a Laurissilva, também única no mundo, e ainda com as grutas também únicas, embora apenas na ilha, mas que no seu conjunto fazem de São Vicente um Município rico em motivos de interesse que vale bem a pena visitar e explorar.


 

Fim