I Congresso de Andebol 2005

22-05-2012 14:00

 

Universidade Lusófona, Lisboa, Comunicação Livre - Sistema de Gestão da Qualidade nas Organizações Desportivas (Norma NP EN ISO 9001:2000), 29 e 30 de Abril

Autores: Jorge Rafael Moreira, José António Rajani O. Dias e Rui Duque Ribeiro


 

Peter Druker, um dos maiores gurus da gestão do séc. XX, afirmou que quem compreendesse a Qualidade tinha adquirido uma real competitividade fundamental para a sobrevivência das organizações. Num mundo em que o avanço tecnológico e a sociedade do conhecimento se impôs, os cidadãos são cada vez mais exigentes e exigem qualidade dos produtos e serviços, quer estejam perante organizações privadas ou públicas.

A qualidade é hoje universalmente reconhecida e aceite como a satisfação dos requisitos do Cliente, enquanto destinatário final, de produtos e/ou serviços, tornando-se um imperativo para todas as organizações desportivas públicas ou privadas, face à crescente consciencialização que os Clientes desses produtos (p/ex:existência de instalações desportivas adequadas) ou serviços (ex: prática Andebol, Natação, outros) exigem junto destas organizações. A qualidade não se impõe por decreto, antes deve ser uma “postura de gestão”. Consideramos assim que a qualidade numa organização desportiva, deve ser o resultado de um conjunto de acções, planeadas e sistematizadas, conducentes a manter ao menor custo um produto ou um serviço. A Qualidade não se limita à mera emissão de papéis, deve ser interactiva ou seja, ser um momento constante de partilha de saberes e experiências de/entre/e para pessoas. Uma organização “cheia de qualidade” é aquela que é capaz de produzir mais do que consome.

As organizações desportivas portuguesas não podem ficar imunes a esta nova cultura de gestão. As variações constantes das necessidades dos Clientes, potencia as organizações, se quiserem sobreviver, a reconverter sistematicamente os seus métodos de gestão e funcionamento, tendo em vista a melhoria contínua dos seus produtos ou serviços prestados, no âmbito do mercado onde se inserem. Cabe-lhes mostrar a sua eficácia e eficiência, demostrando que são capaz de responder aos desafios, acompanhando o movimento da Qualidade de uma forma planeada, sustentada e orientada para o Cliente. Certificar uma organização, significa, que o Cliente ao adquirir/usufruir um produto ou serviço, saberá que ao fazê-lo, adquire ou usufruie de algo que é o resultado de um processo sob controle e portanto, quando ele precisar novamente, terá assegurada a manutenção da sua satisfação. Concluímos por isso que uma organização desportiva que possua um Sistema de Gestão da Qualidade(Norma NP EN ISO 9001:2000) terá uma vantagem competitiva sobre as demais. Ganha a Organização desportiva e ganha sobretudo o Cliente.

Enquanto auxiliar de gestão, de qualquer organização, em geral, e das desportivas em particular, a norma da Qualidade, como também é vulgarmente conhecida, proporciona, desde logo, um primeiro benefício – ganhos efectivos de eficiência. Isto é, independentemente do modelo de gestão, formal ou informal, existente no interior da organização, a adopção dos princípios da qualidade e a implementação, documentada, de processos adequados, fará com que a organização “funcione” de forma mais “oleada”, trabalha melhor.

A razão por que isto acontece prende-se com o envolvimento directo, planeado e sistemático de todos os colaboradores nos processos de mudança organizacional, conducente a uma mudança de paradigma do “Capital Humano”, e de como estes são vistos, já não como funcionários, mas sim como colaboradores activos, rumo a objectivos comuns.

Sem o envolvimento dos recursos humanos, por muito bom que seja um objectivo estratégico, este cairá nas “malhas” da ineficiência.

Um segundo benefício, complementar ao primeiro, são os ganhos reais de eficácia. Isto é, uma organização que aproveite racionalmente os recursos que tem aos seu dispor, com toda a certeza atingirá os fins, as metas que se propôs alcançar.

Para tanto é necessária uma correcta, e participada, definição de estratégias, por parte de quem tem a responsabilidade de as definir – a Alta Direcção. Uma correcta utilização dos meios (humanos, logísticos, financeiros, etc.) adicionada a uma eficaz definição de objectivos e metas é a fórmula para o sucesso, não só organizacional, mas também desportivo.

Assim a norma de referência não é uma panaceia para todos os males, é um caminho, uma forte orientação, com a grande vantagem de estar largamente testada e com excelentes resultados, senão vejamos a amplitude da aceitação ao nível planetário dos seus requisitos por milhares de organizações privadas e públicas.

O sucesso desportivo é medido em função dos troféus que se conquistam, essa é uma medição fácil de se fazer e constatar. O sucesso das organizações desportivas, aqui incluindo todos os agentes que directa ou indirectamente interagem no desporto, a vários níveis, vai muito mais além do que o mero sucesso desportivo. Ambos são importantes e até complementares. O primeiro quiçá perene passa com uma rapidez estonteante, é o prazer do momento, mas esvai-se com a mesma facilidade com a areia escapa por entre os dedos.

O segundo, pelo contrário, é essencial para consolidar e manter processos capazes de resistir, sobretudo nos maus momentos, de forma a manter a organização no caminho seguro e constante da senda do sucesso, enquanto organização, enquanto estrutura organizada de que dependem todos quanto a ela estão ligados, dentro e fora dos campos.

Digamos, pois, que o sucesso desportivo é a face mais visível do mundo onde se movem as organizações desportivas, ao passo que o sucesso organizacional é feito nos bastidores e que tornam possível, toda a “máquina” funcionar de forma duradoura.

Se olharmos para as experiências estrangeiras, no domínio da excelência organizacional, verificamos que os maiores clubes, em particular os de futebol, obtém êxitos atrás de êxitos graças a uma importante aposta na excelência organizacional, sendo o sucesso desportivo uma consequência dessa aposta, e não o contrário.

Também em Portugal existem algumas referências, que se encaixam bem nesse quadro. Hoje os treinadores de futebol são o paradigma do planeamento estratégico, e não raro é verificar que quase todos, têm à mão o bloco notas para tirar apontamentos, de modo a poderem introduzir melhoramentos nas formas de actuar, nas tácticas, etc.

Numa linguagem de “qualidade” e fazendo a tradução dir-se-á o seguinte: o planeamento estratégico elaborado pelos treinadores mais evoluídos é composto por um conjunto de elementos, previamente fixados, como sejam a missão da equipe, a particular visão que têm sobre o modo como devem actuar, os objectivos a alcançar, e o modo como esses objectivos podem e devem ser alcançados (o desdobramento do planeamento em tácticas), e, importante e não despiciente, o registo de tudo isto (daí o bloco notas). Portanto estamos a falar de um sistema, muitas vezes informal, que gera dados passíveis de registo, para posteriormente serem analisados.

Se tivermos presente o famoso ciclo de Demming, um guru da qualidade que catapultou o desenvolvimento japonês, basicamente uma formula consistindo no ciclo “Planear-Fazer-Verificar-Actuar”, encontramo-lo aqui bem presente.

A norma então traz de novo o quê?. A formalização dos processos organizacionais, a sistematização desses processos em ordem a poderem ser objecto de escrutínio, como ? pela medição e monitorização dos processos. Porque razão é necessário medir? Saber onde se está, e para onde se quer ir é essencial para saber se nos desviámos muito do caminho traçado e planeado, e se nos afastámos então á que corrigir e redireccionar.

Desta forma o corolário natural é claramente a melhoria contínua principio tão caro à “qualidade” e teorizado por Demming, Juran , Crosby, entre outros. Todos ganham com isso, a organização e aquilo que na qualidade é conhecido pelas partes interessadas: a organização, os colaboradores, os fornecedores, os destinatários finais, a comunidade onde se está inserida.

Se a implementação de um Sistema de Gestão de Qualidade tem esta importância, para a organização, não menos importância tem a sua certificação.

O processo de certificação é um reconhecimento, formal, consubstanciado num certificado a emitir por uma entidade acreditada no sistema português da qualidade, reconhecido e aceite em todos os países aderentes à Federação Mundial de Normalização (ISO), atestando que determinada organização possui e mantém um sistema de gestão de qualidade, em conformidade com a norma ISO 9001:2000.

Uma organização desportiva com este certificado passa a integrar o grupo das organizações mais evoluídas e avançadas em matéria de gestão organizacional. Que benefícios pode isto trazer ? Desde logo prestígio e imagem. Também a repercussão social, atraindo, com isso, mais adeptos, mais clientes e sobretudo mais investidores.

Para os colaboradores internos, desde o pessoal administrativo ao pessoal técnico, os benefícios são sentidos ao nível da metodologia de trabalho, assente essencialmente numa estrutura documental, elaborada discutida e implementada de forma participativa, através de grupos de trabalho, funções bem definidas e requisitos mínimos explícitos, eliminação de trabalho supérfluo, e consequentemente desenvolvimento pessoal e profissional, resultantes de uma participação em processos de reengenharia completamente inovadores, e no caso português, ao nível das organizações desportivas, pioneiro.

Noutro plano os benefícios são o evitar de erros e falhas, através da melhoria contínua, uma melhor gestão e administração de verbas, meios e recursos, sempre escassos, garantia de continuidade sustentada de projectos de médio e longo prazo. Isto para a própria organização desportiva. Mas o próprio País lucra, como? Pelo crescimento do desporto fomentado por este conjunto de melhorias, pela repercussão social que isto envolve, pelo aumento da prática desportiva, enfim a organização desportiva certificada é ela própria um factor de desenvolvimento do país, ao actuar nas comunidades onde estão inseridas. O orgulho de estar associado a uma tal organização é o sentimento natural de quem está envolvido nesses processos.

Em Portugal não existem experiências, logo não existem resultados, no domínio da implementação de sistemas de gestão da qualidade passíveis de certificação. Olhemos então à nossa volta.

Não é preciso ir muito longe, na vizinha Espanha, a Qualidade e a Certificação ocupam já as prioridades de organizações desportivas.

Pondo de lado as muitas dezenas de instituições, clubes, empresas de exploração de instalações desportivas, etc., que têm já processos de certificação a decorrer, olhemos alguns casos concretos certificados com a ISO 9000:2000: A Fadura empresa de instalações desportivas, entusiasmada com o sucesso, noutras empresas que não as desportivas, da certificação de sistemas de gestão da qualidade, optou por abraçar este desiderato, e com isso aumentou os casos de sucesso, do seu produto, ao proporcionar instalações mais seguras, porque de qualidade; A organização da Meia Maratona de Vigo, naquilo que foi uma novidade ao nível mundial, pois estava-se habituado à certificação de empresas, organizações, mas não da organização de eventos, por aqui se vê que nesta matéria o céu é o limite, existam empreendedores para tanto, e em Espanha existem; O governo das Baleares, em matéria de sistemas aplicados a entidades desportivas. Um bom exemplo de que nem só o privado tem capacidade e visão para estas coisas, as entidades públicas também podem e devem trilhar os caminhos da excelência, utilizando os mesmos instrumentos dos privados, afinal são tão capazes quanto eles. Mais uma vez o exemplo espanhol é lapidar; O Ayuntamiento de Alcobendas, uma espécie de grande área metropolitana, agregando vários municípios, na região de Madrid, criou um sistema de gestão para serviços desportivos e certificou-o de acordo com a norma referida. Mais uma vez o sector público a ser contribuinte liquido para o desenvolvimento, desportivo, social e económico de uma dada região; O Ayutamiento de Esplugues, em Barcelona, possuidor de uma empresa pública dedicada ao desporto chamada Deporte Andaluz, também abraçou o desiderato da qualidade, possuindo implementado e devidamente certificado o seu sistema de gestão da qualidade.

Este movimento, interesse e apetência pela qualidade formal, em Espanha, está neste exacto momento em franco desenvolvimento, sendo imparável. E Portugal? Para já está na estaca zero, nesta matéria. Razões para este cenário? Carência de interesse? Carência de dinheiro? Carência de necessidade ? Teremos nós em Portugal interesse em ficar para trás no desenvolvimento sustentado do desporto e na gestão desportiva? Escassez de dinheiro para investir no futuro, mas será mais interessante investir no passado, e investir no passado é manter o actual estado de gestão? Falta de necessidade… mas porque razão em Espanha se sente a necessidade de melhorar continuamente e nós não estaremos porventura mais avançados que os nossos vizinhos?

Na realidade a grande questão que aqui queremos deixar é esta – e porque não nós também?

Temos conhecimento, temos recursos (capital humano), temos um grande interesse pela gestão desportiva, temos empresas desportivas, temos clubes, sejamos então capazes de realizar.

Não para provarmos sermos tão capazes como os nossos companheiros de jornada internacionais, não para mostramos saber fazer tão bem ou melhor que eles, mas sim para benefício daqueles que gravitam à volta do fenómeno desportivo e esses somos TODOS NÓS, os agentes desportivos, os atletas e fundamentalmente o público, todo um povo que se orgulha daquilo que é e daquilo que faz.

Bem hajam

FIM