I Congresso Diálogo norte Sul

22-05-2012 19:29

Cooperação externa Municipal, Instituto Nacional de Administração, 6 e 7 de Dezembro de 2006

Autores: Dr. Oliveira Dias (Município de São Vicente)

Oradores: Dr. Oliveira Dias


 

(O Poder local e a Cooperação Internacional Autárquica – uma visão)

I. Introdução

 

Os Povos, de todo o mundo, hoje, como ontem, sempre tiveram, de uma forma ou de outra, um qualquer relacionamento, ultrapassando as meras fronteiras físicas ou dos seus Estados ou dos seus Países, a fim de trocarem experiências, saberes, tradicionais, e assim, se enriquecerem mutuamente.

Tal foi claramente o caso de Portugal, País com fronteiras secularmente consolidadas, iniciador desse grande movimento planetário conhecida como a Expansão Marítima Descobertas “dando” novos mundos ao mundo, segundo esse grande Português que foi (é) Luís Vaz de Camões.

A política de miscigenação com povos autóctones levada a cabo pelos lusos descobridores lançaram raízes muito fortes que perduraram ao longo dos séculos, fazendo com que a comunidade de países que falam a língua de Camões, daí resultando a grande Pátria Portuguesa1, e que por isso está especialmente receptiva a laços de cooperação, e designadamente aqueles celebrados entre as respectivas entidades autárquicas.

O Poder Local é, note-se, um dos principais pilares da nossa identidade até porque foi com este que o país se afirmou2. Não espanta pois ter-se disseminado este ideal com a Diáspora portuguesa, embora nem sempre em moldes homogéneos.

Não será de espantar, neste trabalho, a referência muito generalista a poderes locais ou entidades autárquicas, para referir o equivalente a Município apesar deste ser, no Direito comparado, um denominador comum. Acresce, porém que limitando-se este trabalho aos países cuja língua oficial é o Português, a sua realidade é distinta quando comparada com a nossa. Assim ao passo que em Angola não existem autoridades municipais legitimadas pelo sufrágio eleitoral, mas sim estruturas desconcentradas da administração local, em Moçambique a rede de autoridades municipais não ultrapassa as 4 dezenas, não cobrindo, pois, todo o País.

Na Guiné acontece não existirem poderes municipais livremente eleitos, já em Cabo Verde e Stº Tomé e Príncipe, existem efectivamente municípios em tudo semelhantes aos nossos, ressalvando apenas o pormenor de em Cabo Verde existirem Freguesias, mas apenas enquanto território, desprovidas de órgãos, muito à semelhança do que acontece no Brasil, onde os municípios podem ter parcelas de território infra-municipais a que chamam distritos, de qualquer forma nada comparável com a nossa Freguesia, tida, aliás, como uma originalidade tipicamente portuguesa.

Tratando este trabalho sobre O Poder Local e a cooperação externa descentralizada, importa, antes de mais, precisar alguma doutrina sobre o conceito de entidade de caracter municipal, em breves palavras. Em Portugal não é só o Município quem de facto representa os entes municipais. As freguesias também o são3, na verdade a natureza municipalista é dada por um conjunto de características, tais como, a sua autonomia4, auto regulação interna, território órgãos, atribuições e competências, e ainda relações vicinais dos seus agregados populacionais.

Porém é um facto que ao nível da freguesia (entidade municipal) não se faz cooperação externa, pelos motivos já invocados, tendo a ANMP o monopólio dessa actividade, enquanto representante, quer dos municípios e, incorrectamente, do Poder Local Português.

A cooperação Internacional entre os poderes autárquicos de Portugal e outros Países, tem ganho especial ênfase com os países lusófonos, mormente o Brasil e os países africanos cuja língua oficial é o Português, e agora também Timor, uma antiga Nação, agora possuidora de um novel país, no contexto internacional, aliás, o primeiro novo País deste recente século XXI.

Isto acontece por se perceber que num mundo cada vez mais globalizado, também os municípios não se confinam, mais, ao seu espaço territorial, antes vão mais além, precisamente através de laços de cooperação, estabelecidos por protocolos de geminação, entre outros.

A pratica tem mostrado que a cooperação internacional, enriquece as partes e fortalece a lusofonia, razão pela qual os sucessivos governos têm feito uma aposta considerável a este nível, através de várias instituições da administração desconcentrada, com sinergias desenvolvidas com entidades representantes do Poder Local nacional, mormente a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), a qual, pese embora não seja a única representante de todo o universo autárquico português, tem sido, como tal assumida, em claro detrimento de uma outra – a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE). Tal facto ficou a dever-se a só muito recentemente a ANAFRE lograr ver reconhecido o seu estatuto de parceiro social.

O presente trabalho ocupar-se-á do conceito de Cooperação Externa Descentralizada, Cooperação Externa por Geminação e Cooperação Externa Intermunicipal.


 

II. Conceitos

 

2.1 - O Conceito de Cooperação Externa Descentralizada

 

A sede legal 5 não aponta para nenhuma definição do conceito de Cooperação externa descentralizada, pelo que teremos de nos socorrer á doutrina eventualmente produzida sobre a matéria e/ou instrumentos contratualizados entre a Administração central e a Local sobre o assunto e assim tentar alcançar um conceito aceitável.

Antes porém algumas impressões pessoais, naquilo que será um muito modesto contributo, para a “causa”.

Parece pacífico entender o porquê falar-se de Cooperação Externa Descentralizada no diploma da transferência de atribuições e competências para as Autarquias6. De facto entendia-se então, à data da feitura desse diploma, ser a Cooperação Externa uma Atribuição do Estado, via administração central, e a competência para o efeito estaria então a cargo do ministério da tutela, vulgo, dos Negócios Estrangeiros.

Sendo esse diploma uma Lei-quadro, no caso de transferência de atribuições e competências da Administração Central para as Autarquias, logo um acto de Descentralização em favor das Autarquias, e sendo a Cooperação Externa uma das áreas descentralizadas, então fará algum sentido falar-se em Cooperação Externa Descentralizada.

Mas é igualmente redutor. Isto porque tal qual está configurada esta descentralização, neste diploma, parece que a Cooperação Externa se deverá conter nos limites das atribuições e competências transmitidas pelo acto descentralizador contidas nesse diploma. E sabemos que as Autarquias possuíam já Atribuições e Competências originárias, que não apenas as recebidas pelo acto descentralizador da Lei 159/99.

Ora acresce que o diploma das autarquias locais7 é um novo diploma que veio revogar o anterior8 limitando-se a acolher as atribuições e competências já consignadas às Autarquias, e aqui já não faz sentido em falar de cooperação externa descentralizada, pois as Autarquias Locais ao fazerem Cooperação externa é óbvio que o podem fazer dentro das competências que lhe subjazem.

Assim é minha apologia não colher a classificação de Cooperação externa descentralizada, pois deveria utilizar-se o termo Cooperação Externa Autárquica, aliás mais consentânea com o desiderato do poder local constitucional.

 

      1. Doutrina comparada: A Comissão Europeia

 

A Cooperação Descentralizada é um conceito introduzido pelo tratado de Lomé (1989), recebido posteriormente nos programas comunitários ALA (1992) e MED (1992-93).

É um novo conceito de cooperação, que procura privilegiar a participação dos países beneficiários no desenvolvimento e partilha das acções a desenvolver.

Este novo tipo de cooperação é uma resposta ás mudanças vertiginosas da globalização e das profundas mudanças verificadas no mundo, e em especial nos países em vias de desenvolvimento.

Segundo um relatório da Comissão Europeia9 este novo conceito é “ É uma maneira diferente de fazer as coisas (...) é uma peculiar aproximação à cooperação baseada em 5 pressupostos: respeito pelas autoridades locais; dialogo estruturado; Aproximação estratégica baseada em processos; papel principal para os entes locais; transparência e desenvolvimento institucional10.

Em resumo, a cooperação descentralizada, é uma forma de cooperação em que quer os Estados quer as respectivas autoridades locais, em conjunto (partenariado) desenvolvem acções com países e autoridades locais terceiras, numa envolvência global em que todos os actores são parte activa do processo.

Um dos vários exemplos de cooperação descentralizada, sob a supervisão da Comissão Europeia é o programa “Urb-al” especialmente destinado à América Latina, que envolve, cidades, vilas, áreas urbanas e outras regiões na União Europeia e América Latina. Os temas visados pelo programa vão desde a droga as cidades, conservação de estruturas históricas urbanas, Democracia, Políticas sociais, etc.

O programa procura envolver autoridades locais em parceria, relativamente a um mesmo tema, através de acções que passam por três tipos : Encontros bienais; Redes temáticas; Projectos conjuntos.

 

      1. Definição final do conceito de cooperação descentralizada11

 

Finalmente, após os vários contributos analisados, falta aquele que é comummente aceite internacionalmente, como aceitável.

Num sentido mais estrito, significa a cooperação realizada pelas administrações sub-estatais (autoridades locais). Num sentido mais amplo, trata-se de uma nova abordagem da cooperação caracterizada pela descentralização das iniciativas e da relação com os países em desenvolvimento, pela inclusão de uma grande variedade de novos actores da sociedade civil e por uma maior participação dos actores beneficiários no seu próprio desenvolvimento.

 

2.2 - O Conceito de Geminação na Cooperação

 

“via privilegiada de implementação da cooperação intermunicipal(...)”12

É talvez o instrumento mais utilizado, em matéria de cooperação externa (internacional) praticado pelas autarquias portuguesas (excepto as freguesias).

O termo geminação tem vários13 significados, consoante a ciência ao abrigo da qual se utiliza o termo. Assim desde a fonética, à citologia, mineralogia, biologia, a todas elas se aplica para significar, basicamente o mesmo, isto é, igual, ou em par.

Na ciência administrativa, e em particular no que às organizações territoriais diz respeito, o termo geminação é utilizado para caracterizar os protocolos que os nossos municípios celebram com outras autoridades municipais de forma a contratualizarem acções comuns.

Segundo a Federação Mundial das Cidades Unidas a geminação difere da cooperação descentralizada, por aquelas poderem ter uma vocação cultural, linguística, amizade, e por vezes, técnica.

Para além disso a geminação é sempre estabelecida, apenas, entre duas partes (uma autoridade local de um país com outra congénere de outro país).

Esta é, de resto, também, uma interpretação internacionalmente aceite sem grandes dificuldades.

Porém, em Portugal, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, criou a classificação de “Geminações Integradas14 numa iniciativa que visava o reforço dos laços de cooperação e solidariedade com os municípios Cabo-verdianos.

O objectivo era, a partir das geminações existentes, entre municípios portugueses e os Cabo Verdianos, desenvolver acções concertadas, do lado português, para prestar auxílio ao lado Cabo Verdiano.

Na prática tratava-se não de geminações integradas, mas sim de verdadeira cooperação descentralizada, aliás expressa formalmente na referida circular, onde é feita a referência ao protocolo que a ANMP tinha estabelecido com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas que, à época, dada a novidade do conceito, foi mal equacionado.

 

2.3 - O Conceito de Cooperação Intermunicipal Externa

 

Este é um conceito, talvez, menos conhecido que os anteriores, apesar de o primeiro a ser abordado, ser o mais recente.

A base doutrinal, deste conceito, encontrei-a, apenas, em duas sedes – na documentação do XXIII congresso15 da Organização Internacional de Cooperação Ibero-americana (OICI), e na tese de Mestrado Dra. Ana Carla Correia, já referida, neste trabalho. Para esta autora, e prelectora no curso conducente ao mestrado em Gestão e Administração Pública, do ISCSP, “(...) entende-se por cooperação intermunicipal, ou cooperação autárquica, o estabelecimento de relações entre duas ou mais comunidades e onde os principais actores são os municípios ou seus equivalentes, de acordo com a organização administrativa dos diferentes países (...)”.

No capítulo seguinte falarei mais aprofundadamente sobre a OICI, pelo que me dispensarei, agora de o fazer, para me deter sobre o conceito por eles propugnado.

Assim ao analisarmos o discurso de Dona Rita Barbera Nolla16 ela refere-se ao Intermunicipalismo como teoria formulada à 75 anos (estava-se então em 1926) logo a seguir ao fim da guerra mundial, quando as autoridades municipais, dos países saídos do novo mapa europeu, concluirão ser mais profícuo a cooperação entre si, mais do que ao nível dos respectivos Estados.

Não teria tido muito fulgor, no início, segundo ela, mas mais tarde o próprio Conselho de Municípios e Regiões da Europa, viria a acolher aquela doutrina.

Semelhante incremento teria conhecido o intermunicipalismo no continente americano, designadamente no espaço ibero-americano.

Na sua essência o intermunicipalismo baseia-se no associativismo dos municípios oriundos de vários países para defesa de ideais comuns, troca de ideias e soluções.

Por outro lado, outro discursante, desta feita, o presidente da Câmara municipal de Vila do conde, à época, e presidente da ANMP, e então também vice-presidente da OICI (seria eleito nessa data Presidente da OICI) Engº Mário de Almeida, refere, no seu discurso, que a OICI é um fórum do municipalismo Ibero-americano. O Discurso de Don Julio Cesar Alak17 gira á volta do conceito do intermunicipalismo como ponte para a cooperação intermunicipal entre Espanha e Portugal, incluindo nesta asserção os países latino-americanos.

Os objectivos da organização18 definem estes como “a contribuição para o desenvolvimento, fortalecimento da autonomia dos municípios, defender a democracia na esfera local e promover a incorporação efectiva das administrações locais no processo de desenvolvimento nacional dos respectivos países”. No campo das actividades preconizadas pela organização explicita-se o estimulo ao intercâmbio de estudos, ideias, experiências e a assistência técnica.

Estaremos muito próximos se fixarmos o conceito de intermunicipalismo externo como uma forma associativa, livremente assumida por municípios Ibero-americanos, cujo objectivo principal é o intercâmbio experiências e partilhar problemas e respectiva soluções, dados os denominadores comuns existentes ao nível das municipalidades dos países quer da Península Ibérica quer da América do Sul. Sem dúvida também é uma forma de cooperação, bastante interessante, e será de registar que dos seus congressos, saiêm, em forma de publicação, todos os documentos aí produzidos constituindo-se, estes, como a única doutrina sobre o municipalismo Ibero-americano produzido no mundo.

Uma nota final para realçar o facto de nesta vertente, a do intermunicipalismo, assumir um peso considerável, quer a FEMP19, quer a ANMP, quer as congéneres sul americanas, que são, aparentemente, o motor do conceito e da própria organização.

Essa é, pelo menos, a minha convicção, a convicção de quem participou no congresso de 199620 e no de 199821.

 

3.2.4 - Delimitação Conceptual

Pese embora a maior ou menor dificuldade em se caracterizar os vários conceitos de Cooperação Externa Descentralizada, Geminação, Cooperação Intermunicipal, os quais, pese embora denominadores comuns, têm de facto diferenças que os autonomizam, o presente trabalho visa a Cooperação Internacional Autárquica Portuguesa (título suficientemente abrangente para não deixar nada de fora), sendo esta então entendida como todas as acções desenvolvidas pelo Poder Local Português em parceria, bilateral ou multilateral, com autoridades locais de países com quem mantemos relações diplomáticas regulares, visando este trabalho especialmente os Países onde a língua Oficial é o Português.

 

3.2.4.1 OICI (Organização Internacional de Cooperação ibero-americana)

 

Esta organização foi criada em Havana, Cuba em 1938, fruto imediato da difusão do intermunicipalismo no novo continente, que conseguiu reunir na sua assembleia constitutiva representantes do todos os países da América do Sul.

Claramente um denominador comum pontuava na génese desta organização – a língua, seja o castelhano seja o português.

Por essa razão, e não só, a Espanha através da sua Federação de Municípios – a FEMP – aderiu à organização em 1989. Portugal junta-se-lhe apenas em Outubro de 1993.

A OICI assume-se como uma organização que quer participar, como interlocutor privilegiado em vários fóruns, internacionais, desde logo na América do sul no fórum de cidades do MERCOSUR, mas também junto da União Europeia e das Nações Unidas.

Mas um fórum em particular a OICI luta por aceder – Cimeira de Chefes de Estado ibero-americanos. No congresso realizado em Lisboa, em 1996, e ao qual Presidiu, no encerramento, o Presidente da República de Portugal, Dr. Jorge Sampaio, o congresso aproveitou a oportunidade para “pedir” ao Presidente Português que utilizasse a sua influência junto da cimeira dos chefes de Estado ibero-americanos para que a OICI fosse reconhecida como instância consultiva da mesma cimeira.

O relatório final do congresso22 apela também para a aprovação, por parte dos respectivos países, da Carta Ibero-americana da Autonomia Local, de autoria da OICI, o reconhecimento desta, junto da ONU como interlocutor representativo do Poder Local Ibero-americano, seja reconhecido como organismo consultivo junto da cimeira de chefes de Estado ibero-americanos, nos assuntos que respeitem ao Poder Local.

Sem dúvida o espaço Ibero-americano, tem nesta organização, um fórum privilegiado de intervenção doutrinal, partilha e intercâmbio de iniciativas e experiências, que representa cerca de 500 milhões de habitantes.

O autor teve o privilégio de ter participado neste fórum por duas vezes, a primeira em 1996, no XXIII congresso e a 2ª no de Guadalajara, Espanha, em 1998, tendo a primeira participação resultado numa visita de investigação ao Brasil, Estado do Rio Grande do Sul, a fim de analisar a sua organização municipal. Este foi um exemplo paradigmático das potencialidades deste fórum.

 

        1. A CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa)


 

Organização também ela sede de um importante fórum ao nível da cooperação internacional, envolvendo os países da lusofonia.

Para além desse, existem ainda iniciativas, levadas a cabo essencialmente pela ANMP, sob a forma de cooperação, bilateral, muito próxima da cooperação Intermunicipal, tal qual se caracterizou no capítulo anterior.

Referir-se-á seguidamente algumas acções e culminar-se-á com um maior detalhe nas geminações.

 

  1. As Geminações


 

A geminação entre duas autarquias é um contrato, vulgarmente designado por protocolo, onde se estabelecem algumas metas de carácter genérico, mas que passam pelo desenvolvimento de algumas acções ao nível do intercâmbio, cultural, social, e até técnico, que aproveitam as partes.

É uma forma de associação, e como tal plenamente acolhida pela Carta Europeia da Autonomia Local, que estabelece no seu artigo 10 o direito das entidades locais cooperarem entre si.

Confere, igualmente esse diploma, o direito de associação às entidades locais para protecção e promoção de interesses comuns.

A geminação, foi aliás, considerada pela FMVJ, antecessora da FMCU23, como “ instrumento de cultura humana, indispensável ao reencontro entre os povos...”. Só na Europa, e sob o alto patrocínio do CMRE (Conselho de Municípios e de Regiões), foram já concretizadas cerca de 26.000 geminações.

No que a Portugal e aos Palop’s e Brasil diz respeito apresenta-se o seguinte quadro24:


 

 

Países

Beneficiários da

Cooperação

Municípios locais geminados com municípios portugueses

Municípios portugueses geminados com municípios locais

 

Total das acções de

Geminação

Angola

11

18

18

Brasil

36

32

36

Cabo Verde

29

54

55

Guiné-bissau

14

15

18

Moçambique

22

28

33

S. Tomé e Príncipe

17

21

23


 

Facilmente se constata que o País com quem se mantém mais cooperação externa, sob a forma de geminações é Cabo Verde. Tal fica a dever-se ao esforço bastante especial realizado pela ANMP, conhecido por geminação integrada, acima já referido.

Numa visita que o autor deste trabalho realizou a este país, a fim de participar num seminário sobre Poder Local e Regiões, em 2000, foi constatado o nível de incremento potenciado pelas geminações com municípios portugueses.

De facto são intensas as acções levadas a efeito, e assumem as mais variadas formas: intercâmbios sectoriais (saúde, formação, educação), dação de equipamentos vários, participação em estudos técnicos, troca de informações etc.

Num pequeno município da ilha de Santo Antão, e realizado um périplo pelas aldeias e vilas do município da Ribeira Grande, foi possível observar duas formas diferentes de cooperação externa.

Por um lado a Portuguesa. Diagnosticou-se a carência de equipamentos sociais numa dada freguesia deste município, para as crianças locais, em número considerável. Através do protocolo de geminação com um município português, Oeiras, receberam equipamentos para dotar um parque infantil público, bastante utilizado pelas crianças, naturalmente.

Aquele equipamento, constituído por baloiços e outros brinquedos, eram feitos em metal e madeira. Em Portugal o seu destino seria inevitavelmente o lixo, pois a nossa legislação tornou obsoleta os equipamentos, para este tipo de parques, feitos com aqueles materiais.

É discutível a postura de dar aos outros aquilo que para nós já não serve, mas a verdade é que em Cabo Verde e em particular naquela aldeia, sanou-se um problema, com algo que aqui já não servia.

Outro tipo de cooperação observada, próxima da cooperação descentralizada, foi a dos Holandeses.

Nesse mesmo município o autor conheceu dois técnicos holandeses que ali estavam a fim de verificar os investimentos realizados pelo seu município, em parceria com a administração estatal do seu país. Cabo verde é um país que tem mais nacionais fora do país (para cima de meio milhão) do que os que ali permanecem (perto de 450 mil), sendo a Holanda um país onde a comunidade cabo verdiana tem uma expressão significativa (à volta de 170 mil). Assim os municípios deste país optaram por fazer cooperação externa com cabo verde, mas deslocando para lá os meios a fim de aí criar condições tais que impeçam os cabo verdianos de sair para a emigração.

Desta forma, e porque os meios financeiros envolvidos são avultados, são construídos várias infra-estruturas, como escolas, fábricas, oficinas para formação etc, e fornecidos meios técnicos e humanos destinados à formação inicial.

Mas não é só a Holanda a optar por este tipo de cooperação, outros países europeus fazem o mesmo. E de tal forma assim é que os municípios cabo verdianos têm dois documentos orçamentais: um é para as dotações do Orçamento de Estado para as autarquias, e outro para verbas oriundas da cooperação internacional independente do primeiro.

Portugal está longe deste tipo de cooperação devido aos constrangimentos orçamentais das suas autarquias, na verdade dos cerca de 8 % de dotações oriundas do orçamento de Estado para as autarquias, cerca de 90 % são para os municípios e os restantes 10 % para as freguesias (logo estas estão francamente pior que os municípios).

Em matéria de cooperação externa, independentemente desta se fazer via geminações, cooperação descentralizada, ou cooperação intermunicipal, a apologia quanto às áreas a privilegiar, é claramente a da Educação, Saúde e Cultura.

Educação porque é fundamental a manutenção do português e note-se que por exemplo em Cabo Verde o Crioulo é muito mais utilizado do que o português, isto por um lado, por outro lado, os outros países europeus também estão a apostar na educação, para ensinar as suas línguas, em detrimento do Português.

A Saúde porque nesta matéria este país está praticamente no século XVIII, isto é, só existem cuidados muito básicos de saúde, sempre que existe necessidade de uma intervenção mais profunda, por exemplo uma cirurgia banal já é necessário deslocar o doente para um hospital central em Portugal, com todos os inconvenientes daí resultantes.

A Formação pode ser uma área que muito contribuirá para as duas anteriores, com acções a desenvolver preferencialmente naquele país, pois quando se deslocam cidadãos para aqui terem algum tipo de formação o mais certo é depois não querem regressar, face às condições aqui existentes.

A Cultura é uma área por excelência onde se descobrem denominadores comuns muito fortes, entre Portugal e os demais Países da Diáspora Lusa. Cada vez mais é na cultura que se trocam sinergias e se disseminam valores conjuntos aos países com um passado comum.


 

3.5.IV. Conclusões

 

(Pensar Global, Agir localmente, mas ... com todos envolvidos)

 

A tentação de concluir com uma ideia base de independentemente da forma de cooperação adoptada pelas partes, importa mesmo é cooperar,25 é de facto muito grande. Mas constrangimentos financeiros inerentes a qualquer tipo de cooperação, e as limitações, nessa matéria, das autarquias portuguesas, condicionam decisivamente as acções propugnadas pelo poder local, no seu relacionamento com entidades congéneres externas, no quadro internacional.

Se as geminações são, na minha opinião, ainda, um instrumento válido e capaz na cooperação externa, numa lógica bilateral, não deixa de ser um tanto ou quanto limitadora para actuações de caracter estruturante, assim como a cooperação inter-municipal, na acepção que lhe é dada pela OICI, a qual se baseia nas sinergias e troca de experiências. Numa lógica de Benchmarking é um instrumento ideal, logo com potencialidades substantivas.

Porém a cooperação descentralizada é o instrumento que carreia em si os recursos indispensáveis para intervenções de fundo, e tudo se reconduz ao financiamento e apoio técnico que as chancelarias dos ministérios dos negócios estrangeiros, através de órgãos de apoio, como é o caso do ICP, no caso de Portugal, têm.

Pelo caso, superficialmente estudado, dadas as condicionantes do género de trabalho como o presente, constatamos que os municípios não têm estruturas especialmente vocacionadas para a cooperação, suficientes, nem de recursos financeiros adequados, necessitando assim do apoio do ICP para as suas acções de cooperação descentralizada, e não só desta, como ao nível dos outros instrumentos.

É inegável, apesar de tudo, o sucesso da Cooperação Internacional Autárquica desenvolvida, pelos municípios portugueses, em especial com os países da comunidade que se expressa na língua de Camões. O empenhamento das autoridades governamentais, é, hoje, mais do que nunca, essencial para garantir não só a manutenção desse êxito, como sobretudo para o seu aprofundamento visando a consolidação da cooperação entre os povos da pátria26 Portuguesa.

Existem é certo vários instrumentos para a cooperação internacional no âmbito da União Europeia, exemplo disso são os programas que unem em acções comuns entidades territoriais como a Região Autónoma dos Açores, Madeira e Canárias.

Mas estes estão vocacionados para a integração das nações europeias, da família da União. Sendo importantes, não se vislumbra como podem ajudar a consolidar os países da CPLP, e isto sim é igualmente um aspecto a ter em conta.

Não seria de todo de rejeitar uma solução sinergética que passa-se por períodos de estágio, em contexto de Trabalho / Formação entre municípios da comunidade lusófona.

Também seria salutar fomentar a deslocação de comitivas empresariais entre os municípios cooperantes, de modo a potenciar eventuais investimentos privilegiados.

Aliás o IAFE (Instituto para o apoio e formação empresarial) com sede no Município da Maia, promoveu já 3 edições de um intercâmbio luso-brasileiro que junta comitivas de eleitos locais e empresários, de ambos os países, fomentando sinergias através não só do contacto no terreno de realidades distintas, mas sobretudo apostando claramente na formação andragógica de eleitos e empresários luso-brasileiros.

Enfim as possibilidades são enormes basta explorar as oportunidades latentes, e os resultados surgirão naturalmente. A verdade é que as acções de caris formativo de médio prazo, podem ser um instrumento poderoso, para a cooperação internacional autárquica.


 

FIM


 


 

 

1 Tal como o afirmou esse outro grande Poeta Fernando PessoaA minha Pátria é a língua portuguesa

2 As fronteiras portuguesas de hoje, século XXI são praticamente as mesmas do século XIII, portanto as mais antigas do mundo Ocidental. Não tendo havido, em Portugal, uma verdadeira “Idade Média” com as características de suserania do resto da Europa, foi efectivamente com base nos poderes locais que os nossos soberanos fundaram e consolidaram o País. Cada novo território conquistado, logo o Rei concedia uma carta de Foral (diploma legal que estabelecia os direitos e obrigações das comunidades locais num regime de alguma autonomia).

3 O Prof. Doutor Sousa Franco, defendeu esta apologia numa intervenção feita na reunião de constituição da ANAFRE, e ao de leve no seu livro de Lições de Finanças. O autor deste trabalho subscreve essa apologia.

4 O termo autonomia tem origem na ciência económica, onde era conhecido por Autarcia, tendo sido introduzido entre nós pela mão do Prof. Doutor Marcello Caetano.

5 Lei 159/99 de 14 de setembro

6 Lei 159/99 de 14 de Setembro

7 Lei 169/99 de 18 de Setembro

8 Lei 100/84

9 Support for decentralised cooperation, DG Desenvolvimento, Bruxelas, Janeiro 2000

10 Elementos retirados do site institucional da União Europeia, através de um link do site da ANMP, mas também referenciados na tese de Mestrado da Dra. Ana Carla Correia “O processo de descentralização em Moçambique e o combate à pobreza” do ISCSP.

11 Dra Ana Carla Correia in prelecções de Cooperação Europeia, curso conducente ao mestrado de Gestão e Administração Pública, ISCSP, da Universidade Técnica de Lisboa

12 Dra Ana Carla Correia in tese já referenciada

13 Enciclopédia Luso-Brasileira, vol. 12

14 Circular de 10/07/97, ANMP, Coimbra

15 22 a 25 de Outubro de 1996, Lisboa

16 Presidente da federação espanhola de Municípios e Províncias de Espanha

17 Intendente Municipal de La Plata, Argentina, e ex-Presidente da OICI

18 Capítulo II, artigo 3º

19 Federação Espanhola de Municípios e Províncias

20 XXIII congresso, Lisboa

21 XXIV congresso, Guadalajara, Espanha

22 XXIII Congresso

23 vide capítulo III

24 Fonte: Associação Nacional de Municípios Portugueses

25 da responsabilidade do autor

26 E já dizia Fernando Pessoa

“ a minha Pátria é a língua Portuguesa”