VV apresentação em 3 entidades distintas

22-05-2012 19:15

4ª - I Fórum de Urbanismo e Planos Directores Municipais,

Câmara Municipal de Santa Cruz, Madeira (31 de Março 2006)

e

5ª - III encontro Luso-Brasileiro de Municípios com Potencial turístico, promovido pelo IAFE (7 de Junho 2006)

e

6ª - II Encontro de Ordenamento do Território

ANMP – Covilhã ( 25 de Outubro de 2006 )

 

Autor: Dr. Oliveira Dias


 

PLANOS DIRECTORES MUNICIPAIS – uma visão

Pedem-me para produzir alguns contributos no domínio da temática deste Fórum, em tão oportuna ocasião, a saber, a intenção de se proceder a revisões dos Planos Directores Municipais, aqui na Região Autónoma da Madeira.

Tentarei, então, corresponder ao desafio, lançado pelo senhor Presidente da Câmara de Santa Cruz, da melhor maneira, e perdoem-me alguma menos conseguida ideia aqui explanada.

Permitam-me algumas questões prévias, que enquadram a matéria, muitas vezes menosprezadas, ou não compreendidas por alguns, cidadãos uns, eleitos locais outros.

Na generalidade habituámo-nos a pensar que o território municipal é aquela circunscrição espacial onde os eleitos do e pelo povo exercem as suas competências (Lei 169/99 de 18 de Setembro com a redacção da Lei nº 5-A/2002 d 11 de Janeiro, de modo a concretizar as atribuições legais plasmadas em sede legal (Lei 159/99 de 18 de Setembro).

Desde logo porque a própria sede Constitucional consagra as Autarquias Locais como essencial para a existência de um Estado com organização democrática (artigo 235º da CRP), e depois determina, com precisão, no seu nº 1, do artigo 237º, as atribuições, organização e competências das Autarquias Locais realizam-se em harmonia com o princípio da descentralização administrativa.

Afinal é isto que separa o actual sistema autárquico constitucional de 1976 do de 1933.

Ora isto é importante tal como veremos mais à frente.

Porém existem algumas excepções no que à administração do território municipal diz respeito: na realidade existem áreas territoriais, em Portugal, incluídas no espaço municipal que não estão sujeitas à jurisdição dos eleitos locais, referimo-nos, a título exemplificativo a: Reserva Ecológica Nacional (REN), Reserva Agrícola Nacional (RAN), Reserva Florestal (RF), Parques Naturais (PN), Zona Costeira Nacional (ZCN), Administrações Portuárias tais como Porto de Lisboa, Porto de Setúbal, Porto de Aveiro, Porto do Funchal, etc, enfim um variedade muito alargada de espaços municipais excluídos da jurisdição municipal.

Já para não falar que existem ainda territórios que nem sequer estão incluídos em circunscrições municipais, ao contrário do que se possa pensar e referimo-nos, embora não seja importante e vale apenas pela curiosidade, da ilha das Berlengas, das ilhas selvagens e das ilhas desertas, consideradas regiões de protecção natural, já para não falar nas “coisas imóveis sem dono conhecido” que por força do artigo 1345º são pertença do Estado, e as autarquias locais não se integram na esfera jurídica do Estado.

Portanto esta é uma primeira premissa importante – os poderes municipais não têm competência, em certos casos, em todo o espaço municipal, logo qualquer plano de ordenamento espacial municipal deverá ter isso em conta, sob pena de, à contrário, serem considerados ilegais.

Ora não seria completamente disparatada a apologia de caber às autarquias participarem nos órgãos de gestão das entidades responsáveis pela administração daqueles espaços excepcionados, pois não nos parece suficiente a obrigatoriedade de as autarquias serem consultadas ao nível de pareceres, ainda por cima meramente consultivos.

Outra premissa é a característica dos planos de ordenamento do território, como os Planos Directores Municipais, eles são verdadeiramente Regulamentos Municipais, e dispõe a nossa sede Constitucional (artigo 241º) que as autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio.

Ora isto é reconhecido em várias sedes legais ordinárias, tais como as já referidas anteriormente, acrescentando-se o diploma que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação ( Decreto Lei 555/99 de 16 de Setembro, com a redacção do Decreto Lei nº 177/2001 de 4 de Junho) no seu artigo 3º.

Desta forma é de difícil compatibilização com a sede Constitucional o imperativo legal que obriga ao instituto da ratificação a aprovação dos Planos Directores Municipais por parte do Concelho de Ministros, no território continental e aos Governos Regionais nas Regiões Autónomas.

Sujeitar um regulamento municipal à confirmação de entidades externas aos órgãos municipais representativos, representa claramente uma tutela de mérito (a possibilidade de aceitar ou não um acto), quando todos sabemos que relativamente ao instituto Tutelar as autarquias locais só estão sujeitas à Tutela de Legalidade, consistindo esta numa mera verificação da conformação legal dos actos e contratos da administração local.

A Ratificação de regulamentos municipais por entidades exógenas ás mesmas colide frontalmente com o desiderato da descentralização administrativa, e nada fica a dever à desconcentração administrativa, existente anteriormente a 1976.

Enfim como nunca esta questão foi em sede judicial suscitada nem sequer a pedagogia de uma jurisprudência podemos socorrermo-nos.

Porém bem compreendemos a necessidade de existir algum controlo sobre os PDM designadamente para verificação do cumprimento da restrições abordadas, como primeira premissa. Mas neste caso bastaria solicitar às entidades tutelares dos órgãos gestores das áreas excepcionadas da administração municipal, pareceres sobre a conformidade com esses regimes especiais. Evitar-se-ía desse modo sujeitar as deliberações dos órgãos municipais a confirmações externas das suas deliberações.

Em termos históricos os PDM são uma realidade recente em Portugal. Na verdade eles são uma decorrência da adesão de Portugal à ex-comunidade económica europeia, em 1986 (apesar de desde 1982 o DL 208/82 de 26 de Maio obrigar à elaboração de PDM mas com enfoque na vertente sócio-económica).

Havia uma parte substancial dos fundos estruturais que só chegariam aos municípios se estes se apetrechassem de competentes instrumentos de ordenamento territorial de modo a disciplinar a ocupação e disposição espacial.

Daí até surgir um sistema de regulamentos de ordenamento do território (DL 69/90 de 2 de Março, Lei 48/98 de 11 de Agosto – lei de bases – e DL 380/99 de 22 de Setembro – Instrumentos de Gestão do Território) foi um passo – Plano de Ordenamento Regional do Território, Plano Director Municipal, Plano de Urbanização, e Plano de Pormenor, formando uma hierarquia de intervenções territoriais.

Em Portugal continental a esmagadora maioria dos municípios tinha em 1999, altura em que participei num congresso da Associação de Municípios Portugueses, os seus PDM já publicados (entre 1990 e 1998 assistiu-se a uma verdadeira explosão na elaboração de PDM em Portugal). Havia apenas, ao que me informaram então, um único município, no continente, que teimava em não possuir o seu – Caldas da Rainha.

Na Região Autónoma da Madeira o cenário era bem mais cinzento uma vez que só agora em 2006 a generalidade dos PDM’s dos Municípios da Região perfáz 3 anos de existência, período mínimo de carência quanto às alterações ou revisões, de carácter extraordinário, visto que ordinariamente isso só deverá acontecer ao fim de 10 anos após a entrada em vigor do mesmo, que ora se pretendem introduzir em vários municípios.

E isto traz-nos à grande questão: Rever extraordinariamente quando, como e porquê ?

Em bom rigor um Plano Director Municipal deverá ser suficientemente flexível de modo a acompanhar as evoluções de uma realidade cada vez mais dinâmica decorrente da ocupação do território, mas por outro lado deverá conter uma dogmática nuclear resistente aos interesses meramente conjunturais, e que confira uma razoável expectativa de segurança regulamentar para os vários actores (cidadãos, agentes sociais, económicos, etc).

Um Regulamento, qualquer que seja ele, visa sujeitar por via de uma imposição administrativa os limites onde as entidades jurídicas se movem, e não o contrário, isto é, sempre que se pretende alterar um regulamento para o conformar com os interesses das entidades jurídicas ao qual se deverá aplicar então o jogo fica subvertido. É como alterar uma lei para enquadrar os infractores à mesma.

Esta é a razão principal pelo qual os motivos justificativos para aceitar uma revisão extraordinária dos PDM a lei impõe um conjunto de pressupostos inegociáveis.

Quando um PDM ao fim de 3 anos já necessita de uma revisão significa uma de três coisas (ou todas): ou as opções políticas foram erradas; ou a participação dos interessados não aconteceu no período de consulta pública; ou houve alterações profundas ao nível das necessidades de ocupação do território não previstas dada a sua excepcionalidade.

Actualmente, por exemplo em São Vicente, o respectivo PDM carece de uma revisão extraordinária por 3 razões: Faz referência a diplomas legais já revogados; não faz referência ao Plano de Ordenamento Territorial da Região Autónoma da Madeira; e finalmente não foi actualizado por força da Lei do ruído e da obrigatoriedade de se proceder a mapas de ruído do município.

Admito que sejam denominadores comuns a senão todos a maioria dos municípios madeirenses.

As pressões por parte de cidadãos com interesses não compagináveis com os PDM em vigor, levam os decisores municipais a, pelo menos, interrogarem-se sobre se não será a altura para aproveitar a “boleia” e levar mais longe as revisões extraordinárias.

Porém uma primeira preocupação deverá ser saber da disponibilidade de quem tem o poder de ratificação – leia-se o Governo Regional – para aceitar essas intervenções extraordinárias, pois se isso não estiver à partida assegurado, no final, e em caso negativo, despendeu-se demasiadas energias inúltimente. Isto no caso das revisões, extraordinárias, e sempre com fundamento na necessidade de adequação à evolução, a médio e longo prazo, das condições económicas, sociais, culturais e ambientais que determinaram a respectiva elaboração, tendo em conta os relatórios da execução dos mesmo. Portanto a iniciativa é unilateral por parte da Autarquia quanto ao despoletar do processo.

No caso das suspensões a iniciativa tanto pode ser da Autarquia como do Governo, tudo por que existem duas maneiras de se iniciar um processo de suspensão total ou parcial de um PDM: ou por iniciativa do governo (central ou regional) através de um decreto regulamentar, em casos excepcionais de reconhecido interesse nacional ou regional, embora as Câmaras Municipais tenham de ser ouvidas, a propósito, ou por iniciativa das Autarquias, através de proposta da Câmara e ratificação da Assembleia Municipal, e neste caso, o fundamento terá de ser : a verificação de circunstâncias excepcionais resultantes de alteração significativa das perspectivas de desenvolvimento económico e social local, ou de situações de fragilidade ambiental incompatíveis com a concretização das opções estabelecidas no plano, ou ainda em virtude do estabelecimento de medidas preventivas por motivo da sua revisão ou alteração, na área abrangida por essas medidas.

Quanto à primeira está assegurada a predisposição governamental para a posterior ratificação final, quanto à segunda isso não estará à partida assegurado. Note-se ainda que quanto à suspensão parece curial a sua admissão se, quando e enquanto durarem as referidas situações de excepcionalidade, após o que termina a suspensão do PDM. Não hà, portanto uma alteração do PDM, e durante a suspensão têm de ser criadas medidas preventivas que indiquem com clareza como se irá fazer a gestão do território.

As revisões dos Planos Directores Municipais são admissíveis à luz dos respectivos relatórios de execução dos mesmos, a partir dos quais se retiram indicadores pertinentes, em sede de avaliação da pertinência, ou não, de ser necessário adequar os PDM à evolução das condições económica, sociais, culturais e ambientais. Dito de outra forma é a partir da avaliação formal realizada à execução dos PDM que se pode fundamentar uma revisão. Sem esses relatórios não se pode chegar a qualquer conclusão. A fundamentação também deve ser clara e objectiva e acima de tudo abrangente. Por exemplo se o motivo que leva a propor uma revisão for alargar a permissão de crescimento urbano numa dada área, e com isso se permitir a construção de meia dúzia de vivendas, é óbvio que o fundamento é muito frágil e sucumbirá a um escrutínio legalista mais atento.

FIM